sábado, 29 de dezembro de 2012

Balanços Anuais e Phasers Desintegradores

Praia Secreta nº 1 (Van)

Por favor, “tire seu sorriso do caminho que eu preciso passar com minha dor”. É assim que a onda de balanços desse ano me atingiu. Dessa vez, como tsunami. 

A vida não tá fácil pra ninguém, não há motivos pra fingimentos, eu sou assim, olhar pra trás nos faz fortes e menos idiotas. A alegria gratuita é o alimento da ignorância. Ser feliz é a meta impossível, a utopia que persegue qualquer um que olhe ao redor de forma adulta. Dessa forma, e sob esse olhar, 2012 foi pau. Foi pau, pedra e o fim do caminho. 

Algum otimista a essa altura já pensou em me dizer: “pois tome outro caminho e tal e tal...” Antes que o faça, e que eu sinta uma vontade irrefreável de usar meu phaser desintegrador, só adianto o seguinte: volte para o seu lar e me deixe em paz. 

Em 2012 perdi muito, tive pouco ou nada em troca, a compensação da vida é continuar vivo e continuar tendo momentos alegres regados a fortes descargas de serotonina, dopamina, adrenalina e ilusão. Perdi uma pessoa amada, sem retorno de nenhum tipo. Pelo menos, possível nesse mundo. A perda pessoal, de si, de outro, de rumo, compensado por difíceis manobras de emergência, e forte presença de poucos amigos leais, deram o tom de um ano que só terminou por decreto das últimas folhas do calendário. 

Não, não terei saudades de 2012, que conseguiu ser mais cruel que 2011 e ainda superou o antes imbatível 2009. Ainda estou acampado em minha vida a meio caminho de lugar nenhum. Que venha 2013 e seja venturoso. 

Pois, se for pra encher meu saco, que venha armado.

E o Placar Não Ajuda

A Febre do Rato (Cláudio Assis, 2011)


Outro dia se percebeu cantarolando baixinho uma música de Bárbara Eugênia, “Por ai”. Pensava na cena daquela garota que andava por ai, em seu ímpeto de fazer mil coisas enquanto ele a esperava, entre algumas cervejas, sentado em algum banco de praça, meio fio, ou bar do centro da cidade.

Pensava sobre isso ao mesmo tempo em que se lembrava do rosto dela, em meio a tanta velocidade. No ir e vir de tantas coisas inadiáveis e além de sua compreensão.  Sua presença sempre breve era marcada pelo inalcançável, menos de seus olhos, sempre lá. Ele sempre os fitando por aqueles breves segundos antes de desaparecerem e restar apenas sua boca, com seus lábios fartos, no ponto mesmo de fuga onde se sabia na tangente do desespero de ser um observador falsamente controlado.

O jogo da espera era cruel para o herói. Este conjurava poderes de onde nada nunca vinha além da sua disposição em continuar no jogo, contra tudo, contra ninguém além dele mesmo no limite de suas forças, além do cadafalso daqueles movimentos de cabelo.

Esperava naquela tarde quente. Em breve ela terminaria mais uma ou outra coisa e passaria por ali para vê-lo. Era inadiável fazer algo, suas idas e vindas lhe roubara toda fé, sua resistência nada mais era do que seu medo de bater em retirada de si mesmo. De nada mais ser além de algo que foi virado ao avesso, que ela o virasse pelo avesso.

Ouvira outro dia alguém comentando o quanto um jogo pode ser bonito, mesmo com um placar pífio, era seu caso, nenhum tento registrado, como se o motivo do treinador do outro time fosse apenas mostrar a imbatível qualidade de sua defesa. A capacidade de manter a bola no pé durante horas, dias, eras, dissimulando toda a intenção, atraindo pra si de forma hipnótica todos os olhares da torcida.  

Súbito, ela estava novamente ao seu lado. Um “oi”, um sorriso de sua parte e alguém, um insano operador das paixões absurdas, liberava o freio da montanha russa que habita sua mente enquanto ela está por perto. Lá ia ele de novo...
E o placar seguia sem ajudar.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Bruno Morais - Bichinho do Sono

Gente, sei, sei, faz tempo que não escrevo no blog. O ano está acabando e eu nada de dar as caras... feio, isso! Fico postando clipes e nada de texto novo. Enquanto o texto novo não sai (pode ser daqui a pouco, a qualquer momento, mesmo), fica a dica para que ouçam "Bichinho do sono" de Bruno Morais. Agora a noite, 22:38 horário de João Pessoa-PB, a medida certa entre o embalo de uma poesia simples e envolvente, com o abraço de um momento assim, à toa, nos qual os devaneios fazem o trabalho deles, nos devanear.
Espero que curtam.

 .

domingo, 16 de dezembro de 2012

Duas ou três coisas



Notas mentais.
Duas ou três coisas que penso saber sobre ela. 
Primeira: Ela está lá. Muito embora quase ninguém possa confirmar essa afirmação hoje. Segunda: Ela estando lá, só preciso chegar (lembrando: o último que esteve lá enlouqueceu, o penúltimo... Nunca voltou). 
Terceira: Sim, seus cabelos continuam lindos (cada vez mais), melhor olhar pra qualquer outra coisa. 
Quarta: Sua boca.. Nunca! Pelo menos nunca mais (lembra-se da última vez?). 
Quinta: Não importa o que diga a música que ela canta, vire-se e não tente seguir seu perfume. Sexta e última: Hã? É ela ligando?!
It's a long, long, long way...

domingo, 9 de dezembro de 2012

Por Mares Escuros



Naquele momento estavam em patrulha em algum lugar do atlântico norte, há tempos nem o comandante nem nenhum oficial mais graduado dava qualquer informação de onde estariam exatamente. Pouco importava. Depois de atingidos, haviam estacionado no fundo do mar. Na verdade, depois de dias fugindo das escoltas de um comboio aliado que se dirigia para a Inglaterra, as avarias extremas e a evidente desvantagem frente aos perseguidores transmitiam a clara expectativa que não escapariam. 

O submarino estava silencioso, nem a própria respiração podia ser ouvida, sonares inimigos perscrutavam o vazio gelado do oceano em sua procura. Encontrar e destruir. O U-96 era forte, mas fora posto ao chão.

Foram muitas semanas navegando, as patrulhas inglesas e americanas tornavam os encontros com os submarinos de reabastecimento extremamente difíceis, além, mesmo a ação de aproximar-se de um comboio, atacá-lo e evadir-se, quase impossível. Descobriram isso no último ataque.

O cabo Hans estava encolhido junto a uma pesada longarina logo na entrada da sala de máquinas, seu posto. Espera ordens do comandante para acionar novamente os motores para saírem de lá. Mas alguma coisa muito séria havia acontecido, estavam lá há horas e ordem não chegava, na verdade, nada acontecia, como se por antecipação tivessem se transformado num barco fantasma. Seus tímpanos estavam doloridos das sequências de explosões de cargas de profundidade lançadas sobre eles, em especial a que explodiu próximo a proa algumas horas atrás.

Forte cheiro de fumaça de diesel no ar, ar viciado, quase irrespirável, O submarino estava na penumbra, apenas as luzes de emergência permaneciam acesas, era preciso poupar a pouca força das baterias. No canto onde estava sentado, sob a luz fraca de sua lanterna, tirou do bolso a foto de sua noiva, Anna. Iriam casar-se no último verão, mas a convocação urgente da tripulação para essa missão os impediram. Hans tinha esperança, olhou ternamente a foto e a beijou. Voltaria para os braços de Anna, sabia disso. 

De repente, a ordem do comando:
- Motores em um terço!

Pensou: “Estavam vivos na ponte, bom sinal”. Ligou as máquinas com a ponta dos dedos, motores a frente, um terço. Sairiam daquele inferno, finalmente. Confiava no capitão. Os olhos verdes de Anna eram seu farol, voltariam para La Rochelle. Desprenderam-se do fundo, rumo nordeste, com cautela, casa. Navegaram mais vinte minutos, contato sonar em sua direção, em alta velocidade.

- Destróier! Gritaram da ponte de comando pela fonia.

A chuva de cargas de profundidade recomeçou. As explosões cada vez mais próximas. 
Uma última e ensurdecedora explosão. Jurara ter visto Anna chamando-o para o jantar. Silêncio.

O U-96 nunca mais foi visto.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Caetano Veloso - Nine Out Of Ten (Transa, 1972)

Porque hoje é sexta feira!

A Estrada Continua Longa




A cena era basicamente a mesma, a estória se repetia como agulha enganchada, como ele próprio já havia percebido muitos contos atrás. Novamente ela estava ali em sua frente, mas dessa vez alguma coisa estava diferente em seu de olhar, nos seus movimentos. O mesmo sonho intranquilo se desenrolava, porém face a face, de verdade.

Ao invés de um café, ou de uma mesa em algum bar, dançavam. Dançavam como se não houvesse mais ninguém por perto, como se a noite se resumisse em fechar os olhos e evaporar-se em ritmo, batidas, e nos movimentos de seus cabelos.

Desde a última vez, pensou em dizer-lhe sobre a forma como seus cabelos descreviam um movimento de liberdade que, somados a leveza do seu vestido floral, fazia daquela garota, naquele momento, a única capaz de dar o sentido certo a toda poesia dos Jorges, Ottos, Velosos e dos Tims que enchiam o ar.

A cada ida, em cada volta daquelas ondas castanhas, ao som de It’s a Long Way, algum pilar de sua fundação ruía e outras tantas vigas se desintegravam na única necessidade possível frente aquilo, fundir-se a ela nas águas escuras da lagoa do Abaeté, arrodeadas por areia branca. E fugir dançando reggae pela vida, na Portobello Road.

Como disse antes, sonhos intranquilos. Ela parecia não o conhecer, ou o conhecia demais!

E nove em cada dez estrelas de cinema ainda o fazem chorar, ao som de Transa.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

De Cafés e Perfume

"Coffe and Cigarettes" (Jim Jarmush, 2003)

Ligou para ela assim, de súbito. Nos segundos que seguiram, enquanto ouvia o tom de chamada, pensava no tamanho da besteira que fizera. Era tarde, ela atendeu. Novamente, aquele ansiado rouco “alô”.  Seguiu em frente, depois da conversa sobre como iam os pais, as plantas, os sobrinhos, o momento tão bem decorado durante vários cafés, banhos e noites insones: precisava vê-la novamente. Outra pausa, pensar sobre isso era uma aventura tortuosa, os dias já haviam se transformado em meses a essa altura. Resistiu durante todo esse tempo, havia orgulho, uma ideia de honra que ele tirara sabe-se lá de onde, certamente, de algum manual de suicídio afetivo. Mas agora, tudo bem, ou pior, ela aceitara um encontro!

Tinha um tempo na agenda, aquele café discreto, meio de tarde. Desligaram. No dia marcado, nada podia começar pior, ele pra variar, atrasado, adquirira esse hábito (ao qual ele chamava de arte) há pouco tempo, o tempo era o inimigo de uma guerra assimétrica, ele era o alvo, a minoria étnica a ser extinta, nada havia de direitos humanos em seu favor.

Ela estava lá, seu vestido branco, com detalhes em verde, pernas cruzadas. Segurava com delicadeza o cigarro em uma mão e com a ponta do dedo médio da outra mão acariciava a asa da xícara de café. Seu rosto estava plácido, distante... Seu tom blasé perturbou-o, não percebia mais os solavancos do fim, nem traço dos abalos do final, nenhum holocausto residual em lugar nenhum de sua face. Apesar de tudo, sua discrição, movimentos brandos, quase coreografados com aquela bossa nova que saia do alto falante da parede ao lado, o comovia.

Em meio a fumaça que subia lentamente, seus olhos castanhos, lhe escreviam o seu próximo texto antes mesmo que seus lábios pronunciassem algo. Depois de cumprimentá-la com um único e demorado beijo no rosto, atrapalhou-se com as palavras, “típico” pensou, já soando frio. A conversa seguiu seu rumo previsível, trabalhos, plantas, sobrinhos, casas, até o último Woody Allen. Três ou quatro cafés, alguns cigarros, ela precisava sair, tinha dentista, ou alguma coisa assim... Ele ficou, mais alguns cafés solitários, tinha tempo. Via na fumaça dos cigarros alheios as voltas do cabelo dela. Algo havia mudando ali.

Depois de alguns momentos vendo os passantes que se apressavam para o fim de tarde, lembrou-se do cheiro do perfume daquela garota que conhecera recentemente. Amigos em comum, uma ou outra carona. Aquele cheiro! Aquele mesmo que deixava seu carro tão feliz durante os dias que se seguiam depois que ela aparecia. Pagou a conta e saiu, nesse fim de tarde pensou sobre o sorriso da garota de perfume amadeirado, se veriam esse final de semana? Tinha tempo, foi a um bar e pediu uma cerveja.

domingo, 25 de novembro de 2012

De Passos a Esmo e Cafés



Cinco da tarde era verão. Após andar a esmo pelas ruas do Centro, imerso nas idas e vindas à toa de todos que não conhecia, sentiu o calor minar-lhe o ímpeto resistente de continuar a andar para esquecer. Tinha que sentar. Perder-se entre os passantes, era perder a própria identidade daquele tempo, negar-lhe um rosto, eximir-se dos sentimentos. Tudo um plano, procedimento de emergência que adotara nos últimos meses, depois que ela o deixara. Flanar era seu dispositivo de fuga, sua máquina contra o tempo. 

Enfim, cansado, suor abundante na fronte, tinha que parar e fumar um cigarro. Percebeu-se frente à praça que ela mais gostava, diante ao seu cinema favorito, e se deu conta que, automaticamente, já estava na mesma mesa do Café no qual ela lhe falara de seu desejo de viajar pelo mundo, talvez, pra nunca voltar. Ele rapaz da cidade acostumado ao chopp, cinema e futebol com amigos, nunca entendera os ímpetos incontidos daquela moça morena com sorriso de menina. Naquele mesmo café, no qual paravam depois das sessões de cinema, ela disse para ele que partiria, mas prometeu-lhe voltar. 

Ele não podia acompanhá-la. Pensou: Algo nas partidas sempre tem cara de eternidade, a despedida é um adeus travestido de até logo. Ela partiu para uma grande cidade atrás de seus sonhos. Ele ficou. Continuou enganando seu próprio tempo através dos passos que escreviam um texto sobre as paisagens que olhos castanhos de seu antigo amor viam pelas ruas do centro. O cheiro de café sempre lembrava seu beijo.

Nunca mais se viram.

domingo, 4 de novembro de 2012

À Beira da Estrada*



Carro no prego, conversa com um borracheiro à beira de uma estrada qualquer. 
Uns anos atrás:

"Eu conheci um sujeito da tua terra, cara muito legal, há muito tempo atrás. Foi meu cunhado. Era noivo de minha irmã. Morávamos no Rio, toda família tinha se mudado pra lá, saindo do sertão. Eles iam casar e antes disso ela morreu. Triste isso, tão jovem... 

Eles tinham um dinheiro guardado na caderneta de poupança pra construírem a casa deles e minha família não queria deixar o rapaz ficar com o dinheiro. Um irmão disse que se desse o dinheiro para ele, ele sumiria. Mas convenci meus pais a irem ao banco comigo tirar o dinheiro e entregá-lo para o meu cunhado. Para surpresa deles ele não sumiu, mas pegou o dinheiro e construiu um túmulo de mármore para minha irmã, um patrimônio... 

Depois do enterro ele foi embora, não se despediu. E nunca mais soubemos notícias dele. Ele era um homem honrado. Uns anos depois tentei por todos os meios encontrá-lo, procurei muito, mas não consegui..."

Fiquei pensando no que estaria passado pela cabeça do rapaz enquanto construía o túmulo de mármore, antes de desaparecer pra sempre. 
A festa de casamento poderia ter sido muito bonita. 
Poderia...

* Publicado originalmente sob o título de "Perhaps" em 16/10/2010, logo no início do blog. Fiz algumas modificações na forma, mas de resto, é tudo verdade. Perhaps...

sábado, 3 de novembro de 2012

Bobagens, amanhã é domingo



Depois que a Tropicália se desmanchou no ar, que a música virou pós Los Hermanos, tudo mais é fofo e que nos encontramos no epílogo da "Farsa de Todos os Amores", o sentimento só pode ser que tudo é instantâneo e além, dos pedaços ao avesso de todos os desejos.
Coisas que nunca serão ditas ainda serão a ordem do dia de um tempo transparente onde tudo se sabe, mas ninguém sai do lugar. E tudo continua igual a quando a TV era valvulada. Descobri: sem televisão a vida continua.
As coisas que sobram pra se chafurdar no chão polido da sala de estar, quando os convidados estão quase chegando. 
Mas não há anfitriões.
E casa é uma forma de dizer e um CEP pra receber contas.
Nesse meio termo coisas desaparecem, pessoas idem.
Seguimos cantando a nova sensação que youtube revelou.
O que Caetano diria?
- Bobagens, pequena. Bobagens... Amanhã é domingo.

Bastante

Marc Chagall - "Bela in Mourillon" (1926)

Ela deixou a porta aberta
Nada disse ao sair
Voltar parecia não ser opção
Fingi não querer saber
Apenas fiquei e fiz um café
Ela não voltou
Numa tarde qualquer, uma ligação
Ela, já sem nenhum porquê
Depois do rancor
E um vazio estranho
De assunto
De chão.
Não, a casa é vazia agora
Menos que por outras coisas
Pelo esquecimento
Só preenchida pelo cheiro do café,
Há chão inteiro pra deitar
E é o bastante.
 - Venha olhar o céu daqui. É diferente...

sábado, 20 de outubro de 2012

Estava Longe



Fazia muitos meses que ela o deixara. Ou se deixaram, já era difícil saber agora, talvez impossível, talvez desnecessário tentar saber. Pensou: “Drogas, ainda mais agora, por que essa chuva? Por que minhas roupas e pele até a alma?”. Mas se algo à toa, porque ainda ficava com os olhos rasos d’água quando lembrava? A sensação de perda e o vazio que dizem seguir esses momentos definitivos eram pouco para exprimir um único momento de sua respiração acelerada, no segundo quando se lembrou dela, em meio aquele temporal.

Encontrou refúgio em bar pediu uma cachaça e um cigarro. Há muitos anos não fumava, desde as brincadeiras de juventude, das noites de sarro, nas quais encontrar o amor era um jogo onde as promessas de aventura diziam muito mais do que os riscos de quedas absurdas e cortes abissais que a vida real costuma trazer pra quem se lança.

Tomou a cachaça como se tomasse o ar que lhe faltara aos pulmões. Tragou aquele cigarro como que para recuperar o chão que desparecera sob seus pés. A garganta queimando lhe lembrou de que estava vivo, embora custasse a acreditar que ela ainda o estivesse depois de tudo que havia feito para esquecê-la. Suas tentativas alucinadas de se autodestruir, redundavam num sentimento perverso de encontro com o mais intimo detalhe que ainda não havia conseguido remontar, a mais remota e quase inventada charada, que o derradeiro sorriso que ela lhe dera a tanto tempo poderia trazer consigo.

Não podia matá-la em sua memória. Prometeu-lhe fazê-lo para ter paz, ela seguia cada vez mais viva dentro dele, emergindo a cada chuva, crescendo pelas paredes úmidas de sua alma alquebrada como um fungo, tingido de um verde turvo como um musgo escuro sua alegria perdida.

Pediu mais uma dose. Apagou o cigarro na própria mão. A dor o acordou pra rua, pra ausência definitiva, pra hora de voltar pra casa.

Estava longe, amanhecia.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Um Poema: A Morte a Cavalo (Carlos Drummond de Andrade)

"Sleep" - Francisco de Goya
A Morte a Cavalo

"A cavalo de galope
a cavalo de galope
a cavalo de galope
lá vem a morte chegando.
A cavalo de galope
a cavalo de galope
a morte numa laçada
vai levando meus amigos


A cavalo de galope
depois de levar meus pais
a morte sem prazo ou norte
vai levando meus amores.
A morte sem avisar
a cavalo de galope
sem dar tempo de escondê-los
vai levando meus amores.
A morte desembestada
com quatro patas de ferro
a cavalo de galope
foi levando minha vida.
A morte de tão depressa
nem repara no que fez.
A cavalo de galope
a cavalo de galope
me deixou sobrante e oco."

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Jards Macalé - Soluços (1970)


O genial Tropicalismo à flor da pele de Jards Macalé.
Ouvir até lembrar que a pele já não está mais lá, arrancada pela raiz.
Vibrante onde agora só há nervos, veias, músculos e sangue.
Curtam!




Quando você me encontrar
Não fale comigo, não olhe pra mim
Eu posso chorar
Quando você me encontrar
Não fale comigo, não olhe pra mim
Eu posso chorar
E quando eu choro eu tenho soluços
E os soluços estragam minha garganta
E além disso eu uso lenços de papel
Eles se desfazem quando molham
Meus olhos ficam vermelhos e irritados
Eu ainda não comprei meus óculos escuros
Quando você me encontrar
Não fale comigo, não olhe pra mim
Eu posso chorar
Quando você me encontrar
Não fale comigo, não olhe pra mim
Eu posso chorar
E quando eu choro eu tenho soluços
E os soluços estragam minha garganta
E além disso eu uso lenços de papel
Eles se desfazem quando molham
Meus olhos ficam vermelhos e irritados
Eu ainda não comprei meus óculos escuros

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Uma Foto

Celeridade... JIMESTAMORTO.COM
Alécio de Andrade. 1975. Coleção Pirelli/MASP

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Através da Fresta


Das coisas que precisava dizer-lhe, a maioria não fora dita quando se despediram. Ficaram penduradas por um último fio, em algum suspiro, em algum olhar de canto, numa piscadela mais falante que o fechar suave da porta silenciou de súbito. 
O último carinho nos cabelos dela, enquanto estava distraída neste dia em frente a TV, era o máximo que podia trazer ainda na memória da ponta de seus dedos. Ali nesta mesma oportunidade, ela oscilou entre estar presente e em qualquer outro lugar no seu incrível universo sem fim, pelo menos umas trintas vezes. Almoço, vinho, café, conversa e o tempo que passava, cada minuto como instantâneo de um jogo no qual o final era previsível, pois já descrito num conto-poema que falava que eles não podiam estar juntos, mesmo enquanto seus olhares diziam o contrário. 

Nessa tarde conversaram sobre todos aqueles pequenos fatos da vida, as pequenas grandes coisas, dessas que fazem mais sentido quando compartilhamos, como que mostrando um antigo e desbotado álbum de fotos de família, aquelas pequenas histórias de vizinhança, de jogos no colégio, de arenga com irmãos, o flerte com a prima, a zanga com o pai. Essas coisinhas que quando não datadas e narradas, perdem-se como as coisas que ansiamos nos deixarem pra sempre. Durante o tempo em que estiveram vendo, ou pensavam que viam aquele DVD, o lapso em que se tocaram se estendeu pela dimensão toda do universo, a primeira vez, a primeira sugestão e todas as possibilidades que a pele intuía em algum automatismo de prazer. Negar, permitir, fingir, tudo estava presente na imobilidade congelante de algo que estava inexoravelmente acontecendo. Demasiado tarde para fugas. Registro efetuado, dali em diante tudo seria diferente, mesmo quando não mais fosse.

Hoje, depois de tanto tempo, quando ele lembrou de tudo isso, pensou em ligar-lhe, pensou no desconserto evidente de sua voz ao dizer-lhe que sentia saudades, e a expectativa do vácuo amistoso, e delicadamente distante que viria em sequência. Ah, a distância: a segurança daquele castelo de nuvens, o pequeno passo a ser dado para que toda a aventura recomeçasse quando novamente se desapercebessem. 

Ainda lhe ocorreu: Mais uma taça de vinho e ela se foi. 
A porta não fechou de todo, ficou uma fresta por onde ela, sem cerimonia, se mostraria. Ela sabia, nunca haveria segurança.
Quanto a ele, começou a entender.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Uma Foto

Porque hoje é sexta feira!
E há lua no céu...

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Tom Waits - Watch Her Disappear (Wong Kar Way)

Hong Kong Express, (Wong Kar Way, 1994)

Sob Chuva

Helmut Newton

Fora
Sol
Mãos, pele, chão
Atrás nada além
Avante os dias
Sua boca ausente
Dentro
Espaço infinito
Chuva
Nenhum
Sentimento
Poderia matar o tempo
Assim
A sangue frio
Um tiro
E nada mais

terça-feira, 25 de setembro de 2012

De Gravidade Infinita



Ela não sabia ou parecia delicadamente ignorar o quanto sua presença o desestabilizava. A voz dela, não sem algum grau de malícia, naquele tom suave, quase de menina, pronunciava seu nome como um diminutivo único. Ele, quase apelava em súplicas pra si, não correspondidas claro, para ouvir aquilo se repetindo durante um dia inteiro, ou, pelo menos, mais uma vez. Mais uma vez era a senha do ciclo que parecia não querer se completar de coisas que parecem querer sempre parecer o oposto, ou o distante, quando são na verdade, o que aparentam. Assim, como manteiga derretendo no pão quentinho, algo que não pode ser negado por nenhuma filosofia, além do que indica o cheiro de fome prestes a ser saciada. Não sabia por onde andava durante todo o tempo que demoraram a se ver, na verdade não o interessava. Tudo se resumia ao encontro, o agora como realização de um micro conto de algum blog pouco lido, meio adolescente, falando de amores impossíveis, sentimentos contraditórios e pessoas que não podem ficar juntas.

Neste dia eles não se viram sob o Sol, rodando sem rumo e falando trivialidades em alguma rua da cidade, ou mesmo em alguma casa de algum conhecido comum. A companhia tocara inadvertidamente. Susto, pois tinha estranheza a visitas, sobretudo as imprevistas. Ninguém o visitava. Quando ela identificou-se, o ímpeto de liberar imediatamente a porta confundiu-se com a surpresa quase surreal daquele momento. Ela em sua casa! Embora achando que seria capaz, e um dia o fizesse, nunca o realizaria. Ledo engano fê-lo, ela estava ali. Ela estava ali e iria falar o nome dele daquela forma, e o olharia com aquele olhar de ternura que esconde algo que não pode ser revelado, não obstante, claro como um cristal. Aquele olhar quente, escuro brilhante, profundo, que tão bem refletia o mundo de uma forma diferente, o jeito dela. Nessa primeira vez, pelo menos ali, em seu território, nem os livros, nem a cama, nem cadeiras, nada se prendia mais ao chão. Tudo parecia convergir pra ela, aquele ponto de fuga de gravidade infinita e cabelos soltos ao tempo.

Ela estava ali como uma primeira vez de todas as vezes que tudo deveria ter acontecido desde o princípio dos tempos, bastou um passo para nada mais ficar no lugar. Em uma foto que lhe enviou uns dias depois da insólita visita, dizia-lhe apenas um “eu te amo”, assim, a flor da pele, binário, único na necessidade de dizer algo que não se apagará, mesmo à distância. 
Mesmo que não pudesse mais dizê-lo.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Novamente, uma madrugada qualquer

Bill Brandt
Naquela madrugada andava devagar pelas ruas estreitas da cidade baixa, quase se arrastava. Os pés moviam-se sem vontade enquanto buscava apoio nas paredes. Sua mão seguia os contornos, reentrâncias e saliências das paredes cheias de musgo e umidade. Estas lhe diziam do asco que algumas situações podiam lhe causar. Esse era um daqueles dias que se repetiam a tanto tempo, de nojo do mundo, da perda da fé que pouco tivera, e da limitante incapacidade de aceitar a realidade. Dia de lembrar-se da injuria, infâmia, injustiça, medo. Da vontade de esquecer que seu espírito estava quebrado, sua vontade agora dormitava um sono eterno, sua alma vagava.
Sentou-se no meio fio, a chuva caia através de si, isso já não lhe trazia surpresa. Fazia três meses ou três anos que estivera ali pela última vez? Não fazia diferença, as coisas não mudavam, como sempre, as ruas estavam desertas, os carros não passavam, ninguém nas janelas, ninguém a via. Ninguém a vista. Seu coração, se tivesse, estaria lhe falando baixinho de beijos e entrelaçar de mãos, toques inesquecíveis, descobertas improváveis, de esperanças e alegrias sem fim, coisas de muitos dias (anos?) atrás. Sussurrando: “Onde estariam todas as coisas boas do mundo?”.
Naquele momento perto da madrugada permitiu-se, cansada, deitar seu corpo sob uma marquise. Não conseguia mais lembrar quem era ou que lhe fazia pensar sobre todas aquelas coisas, buscava algo que não podia entender num mundo deserto que parecia dormir só para ela, queria de novo seu sorriso de volta, sem ao menos entender aonde teria ido.
Logo depois de adormecer novamente, desapareceu no ar, misturou-se outra vez a falta de sentido que os sonhos trazem consigo quando se tornam pesadelos, e com as estórias secretas que os corações escondem pra sempre quando partem e viram lenda num outro mundo qualquer onde o amor se retirou sem deixar pistas de si.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um beijo no futuro


- Escreva como se não houvesse amanhã!

Disse para si mesma naquela manhã de domingo. Havia uma urgência de fim de mundo em dizer para aquele moço tudo aquilo que há tempos trazia engasgado a menos de meio centímetro do coração, uma pressa de ontem e saudade de algo que poderia ter sido, dessas que parecem com a vontade impossível de bolo de chocolate com maracujá numa madrugada qualquer quando tudo mais está fechado e a sede se confunde com os ponteiros engessados do relógio de parede.
Não sabia exatamente por que ele, nem tão pouco porque nesta manhã, diferente de todas as outras desde que o conheceu, mas o fato nesse momento de não encontrar seu bloco de notas a afligia:

- E se perdesse a ideia? E perdendo a ideia perdesse o cheiro do abraço dele?

Não podia se dar ao luxo, perder era uma palavra proibida por aqueles dias, encontrou seu bloco amarelo, que trouxera de uma dessas viagens marcantes pra um desses lugares que tanto sonhara. Caneta, começar a escrever... Pra ele? Pra si? Um registro? Uma revelação? Uma declaração? Ou um desabafo? Um roteiro ou um poema? Nunca soubera o momento, sempre se mostrara uma mulher de ação, fazer antes, pensar depois, menina afoita que roubava a bola dos meninos, desde sempre! Por que escrever agora? Mas o momento pedia escrita, o preto no branco do papel, a cor que marcaria uma história, o marco zero, sobre o bidimensional fantasmagoricamente vazio daquela folha...

Mas não escreveu pra ele, mas como se fosse. Escreveu para um passado remoto de um romantismo idealizado no qual as dores foram todas substituídas por lembranças de chocolate amargo com menta e para um futuro de cinema em 3D. Falou de fortes cores imitando Almodôvar, quentes como o verão, derretendo a pele numa ficção de várias metragens, durações curtas a infinitas, nas quais a marca suave da sua caneta deixaria na pele dele aquela cor que ela mais amava, como um beijo.

Escreveu como se torcesse que ele a lesse mesmo antes da postagem, mesmo antes de ter nascido, antes de ter feito a primeira coisa na vida da qual se arrependesse.

Lesse com a vontade de quem abraça depois de tantos dias de espera, e como se a vida de fato pudesse ter um final feliz.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Chove Sobre a Normandia (um conto de guerra)



A resposta à sua carta já demorava uma eternidade para chegar. Naqueles dias de guerra, o medo estava preso às cortinas na hora do toque de recolher, parecia se insinuar no cheiro da sopa rala da janta solitária. Nesses dias de verão, incomuns, a chuva constante e o frio marcante deixavam mais cinza os corações que amargavam a expectativa que alguma coisa mudasse no mundo, aparentemente, em vão, como tudo mais. Viver a esperança da chegada da próxima carta era a única que a sustentava, mais do que a expectativa de vê-lo cruzar a soleira da sala novamente. 

Enquanto houvesse cartas haveria esperança, a qual nada mais podia dá-la naquele momento, nem a fé e orações, nem o trabalho ensandecido na fábrica de munições, nada. A guerra corroia-lhe a alegria, despojava-a de sua humanidade, a guerra era o próprio mal. Seu único suporte naqueles dias cinzentos eram algumas lembranças que, quando invocadas, provocavam um tipo de choro implosivo, assim, como se um profundo poço sem fundo a sugasse com uma gravidade infinita.

Uma dessas lembranças dava-se nos dias felizes anteriores a guerra, as notícias de que tropas hostis haviam cruzado a fronteira de um país longínquo parecia exatamente isso, uma narrativa de fatos absolutamente insignificantes, frente ao desfecho da ultima festa do verão, quando se conheceram. Ela havia ido aquela festa com o seu vestido mais bonito, preto com azul marinho, os sapatos estavam lustrados e o rosto com a maquiagem discreta, nada que não comportasse um batom vermelho vivo, típico das garotas mais descoladas do centro da cidade. Havia muita energia pairando sobre todos naquela noite, os rumores falavam sobre convocação dos rapazes para a guerra. As moças temiam por seus amores, outras, que não os encontrasse. Havia pressa no ar. O viu chegar sozinho, já o conhecia de outros momentos, mas apenas de vê-lo passar ao longe. Não era exatamente um estranho, mas pouco ou nada se falaram das outras vezes que se viram. Nessa noite de tantas expectativas e ansiedades não foi surpresa se virem perto e tentando tabular qualquer conversa sobre algum conhecido em comum.

Ele, jovem tímido em primeiro momento, porém de sorriso aberto, com disposição incomum para a conversa, diferente dos outros rapazes do interior que tivera a oportunidade de conhecer anteriormente. Em poucos momentos estavam dançando, mesmo sendo ele alegremente patético tentando acompanhá-la em qualquer passo que fosse. Riram-se, riram-se absurdamente, quase como se não houvesse um dia de amanhã. Em meio a uma risada longa no fim da noite, o rosto dela paralisou-se por quatro ou cinco segundos, seus olhos fitaram o dele, e ele nesse momento, parou de falar. Nunca suas bocas estiveram tão próximas. Ele avançou, beijo-a, ela ensaiou um falsete de fuga, meio centímetro pra esquerda, uma dificuldade última e fugidia pra justificar pra si própria a conquista. Nada mais existia.
Voltaram para casa com a sensação que algo na ordem daquele tempo havia decididamente sido alterada, eles não se cabiam naquele tempo que agora parecia ser interminável entre o agora o momento do próximo encontro, impreciso.

As noticias naquela manhã opaca pelo rádio diziam de uma grande invasão por mar. Sabia que seu marido deveria estar fazendo parte daquilo. O noticiário falava de uma chuva de obuses na resistência à invasão. Chovia sobre a Normandia...

Mais duas semanas sem notícias. Até que a tão esperada e temida carta chegou. A visão do selo oficial no envelope atravessou-lhe o coração como um punhal absurdamente gélido. O texto formal e frio, além das condolências, falou-lhe que ele desaparecera em combate na praia de Omaha, França, em 06 de junho de 1944...

O tempo deles acabara-se, como aquela chuva sobre uma praia triste distante tingida de rubro. Apenas o primeiro beijo deles permaneceu no infinito.

Woody Allen - Manhattan (ending)

Como tudo na vida...
"Aquele olhar! Como na cena 'daquele filme' de Woody Allen que ela tanto gostava" (Um Conto Curto, ou uma Novela? 02.09.12)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Série Cartas e Cinema (4): Nunca te vi, sempre te amei (84 Sharing Cross Road)




Helene Hanfff: [written in a letter to Frank] "I can never get interested in thing that didn't happen to people who never lived." 

domingo, 9 de setembro de 2012

Sobre Cartas e Erros

Praça Rio Branco, João Pessoa-PB

Naqueles dias a garota de riso fácil e olhar faiscante, com jeito de sambinha no fim da tarde de sábado, estava distante e triste. Pelo que via, quando ela passava pela rua, havia algo diferente, como se naquele momento a vida houvesse tirado repentinamente aquele rock que parecia tocar no fone de ouvido invisível que sempre a acompanhava e que transformava sua passagem em clima de festa. E assim, nessa seriedade, o momento do encontro com ela, parecia agora algo sério, soturno como um blues, dolente de tão lindo, pois que até a tristeza, era capaz de inspirar quando ela chegava.

Havia algo errado. Não, aqueles encontros já não correspondiam ao que seria razoável esperar de tanta alegria que seguia até pouco os passos dela, daquilo que fazia sua assinatura, mais, o rosto mais feliz quando dizia alto o nome dele. Mas ai estava o problema, ele não sabia, mas a vida não era assim tão razoável. Certa noite ele já havia experimentado uma pequena porção das formas desconcertantes através das quais a realidade pode dar diversos olés nas nossas expectativas e dizer ao que veio de uma forma absurda. Mas não daquela forma, era demais! Não da forma como os fatos foram expostos a ele e do que pôde entender daquele bilhete lido tão tarde da madrugada, quando chegava bêbedo de algum bar.

As repetidas leituras das mesmas parcas linhas não ajudaram a esclarecer nenhum sentido, e pensava: “aquilo não podia estar acontecendo com ela!” A cada frase do que podia ser dito em um espaço tão exíguo, pensava nos dias que ela ainda passará sobre efeito daquelas circunstâncias.
Queria falar-lhe, mas não tinha como chegar até ela, pensou em escrever-lhe e aventurou-se numa carta na qual ficasse claro seu apreço, preocupação... Enfim, todos os adjetivos que podia agrupar para falar-lhe daquele amor instantâneo quando ela cruzava a praça, no momento que parava e acenava-lhe como se lesse seus pensamentos.

Queria aquele sorriso no rosto dela novamente. Ansiava por conseguir escrever uma carta pra moça de ricos lábios carmim que dissesse as coisas certas, as flores e estrelas cadentes que acompanham as missivas inesperadas e que nos falam de mundos atrás de mundos, e da necessidade que ela estivesse de volta e que a convencesse de que as dores e sustos do mundo não passassem apenas de “PS’s”, para lembrar que o mais importante já havia sido dito nas linhas acima. E que o mundo erra, e que às vezes os “mesmos erros” são as repetições involuntárias de coisas que já não nos dizem mais repeito.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Swany ( VITALIC remix) - Lady B

As vezes o dia vem trance music...

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Frente ao Mar, em Sampa


Em São Paulo. Ao longe via uma longa avenida. Parecia não ter fim. Me perdi mais uma vez, estranhado pelo furta cor de prédios, por traços retos, sobrados trabalhados, curvas mal feitas as quais seguindo me achei em detalhes de uma praça verde. Me assustei com a memória encardida do velho terraço, de sonhos de quem viu o movimento dessa rua pulsar tanto tempo atrás. Fui ao fundo das luzes que acendiam o fim do dia e acordei-me de frente a um mar que ninguém nunca ouvira falar existir ali. Além de um verde que não podia mais ver, me contentei a aprender a beleza em cinza.

PS: sugiro ler ao som de "São Paulo" do Morcheeba.

Ry Cooder - Ely Nevada

Boa noite! Ou até qualquer momento... que pode ser daqui a pouco.

domingo, 2 de setembro de 2012

Um Conto Curto, Ou Uma Novela?




O jeito daquelas moças todas no bar, seus movimentos rápidos, sorrisos abertos em uma alegria intempestuosa, dessas que enfrentam o futuro como se esse tivesse a simplicidade de um passado bem resolvido, não contido, na vontade de continuar a colecionar o novo. Ele, recém-chegado, desses rapazes de poucos amigos, do tipo que costumam cruzar as ruas do centro na noite de sábado só pra saber o que tem de legal (ou que deixava de acontecer) no boteco da próxima quadra. E então parou ali, na porta larga daquele boteco antigo, cujo dono resolvera mudar toda a cara do lugar. De alguma forma dera certo, casa lotada. Nova roupagem do espaço, novas cores, luzes e gente, sobretudo agora, com aquelas meninas de riso fácil, pele brilhante e olhares de desafio. Parou um pouco, iria entrar, precisava de uma cerveja, precisa de uma cerveja urgente, e daquele lugar. Ele, como quase todo mundo que deslizava por aquelas ladeiras nesses dias estrelados (e lotados) de verão, não tinha nada de impressionante, sua fisionomia e roupas o confundiam com qualquer um daqueles moços que perambulavam buscando qualquer diversão, além do tédio das coisas pra fazer que a semana maldosamente lhe destinara.

Numa dessas mesas animadas de gente fagueira, cruzou com um olhar antigo, desses que guardam segredos de certo momento da vida, que serão encobertos propositalmente por muitas camadas de novas sensações, desejos, desapego, covardia, coragem e, porque não, amor. Não acreditava no que via: não ela, não ali. Havia pensado muitos anos no quanto esse olhar o comovia, revoltava, cativava... Destruía-lhe. A separação deles havia sido um desses marcos definitivos, desses marcados em carne, na qual a injustiça do tempo se tornava mais evidente ao não querer respeitar nada, nem a idade, nem o frescor das expectativas juvenis, dos planos e conquistas inacreditáveis até aquele então. Já não reconhecia ninguém que a acompanhava, nem o cara de meia idade com jeito de professor de filosofia, nem a mulher descolada... Artista plástica? Nem os outros, leves demais para ele, para o peso de uma juventude malhada por responsabilidades em uma rotina estoica de fuga diária pra qualquer coisa que não permitisse pensar o devaneio. Sua única exceção, as noites de sexta.  O ato de sair do trabalho para as ruas movimentadas da noite que caia, o seduzia para sonhos dolentes e emudecidos há muito tempo.

Aquele encontro na verdade era a história do reencontro de dois olhares que não se podiam mais. Naquela noite uma verdade qualquer da qual ninguém mais falava, nem tão pouco precisava, refletiu-se naqueles olhos castanhos, parou o tempo, cravou-lhe as unhas compridas no peito, marcou-lhe o coração com aquele batom vermelho, daquele carmim sanguíneo belo, mortal como uma flor roubada na saída do colégio. Aquele olhar! Como a cena “daquele filme” do Wood Allen que ela tanto gostava. Nada daquilo estava no seu roteiro, nada daquilo deveria acontecer, um dos dois poderia estar vivendo sua vida longe, numa dimensão paralela, onde ninguém precisasse lembrar que existia algo como a paixão.
 Daquele final sem final, no qual um rápido cruzar de olhares e um meio sorriso foram toda a história de fato que ainda poderia acontecer entre eles. Restou-lhe a sensação que a vida era breve como um conto curto, assim como ela sempre achou que fosse, quando, nesse momento, ele estivesse mais propenso a pensar a vida como a sucessão de capítulos, uma novela, na qual viveríamos as idiossincrasias de um roteiro que muda o tempo todo, assim, até o fim.

Recuou, não tomou sua cerveja. Não ali, não naquele bar... Havia um outro na quadra seguinte o qual o dono ainda não reformara... seus olhares poderiam esperar pelo próximo reencontro, a cerveja não.

sábado, 1 de setembro de 2012

Marilena Chauí - A Ascensão do Neo Conservadorismo da Classe Média Paulistana (ou, brasileira)


A ascensão de um paradigma neo conservador fundado em uma profunda ideologia estética e privatista...
Em outras palavras, estamos ferrados! O espaço público reduzido ao "você é velho, feio, sujo e malvado e... pobre”.
Pense a respeito.


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Uma Foto: Lua Azul Sobre o Bessa

Então ela disse: "quero morar na Luaaaaaaa!"
Van

Apocalypse Now (Coppola - 1979) - Abertura


Um quarto de hotel, The Doors-The End, Martin Sheen, napalm, Bells UH 1, cartas, fotos, espera, ansiedade, memória, kung fu, insanidade...

Willard: Saigon... shit; I'm still only in Saigon... Every time I think I'm gonna wake up back in the jungle. 

Willard: When I was home after my first tour, it was worse. 


Willard: I'd wake up and there'd be nothing. I hardly said a word to my wife, until I said "yes" to a divorce. When I was here, I wanted to be there; when I was there, all I could think of was getting back into the jungle. I'm here a week now... waiting for a mission... getting softer. Every minute I stay in this room, I get weaker, and every minute Charlie squats in the bush, he gets stronger. Each time I looked around the walls moved in a little tighter. 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Blade Runner - Rachael and Deckard

Rachael's Theme (Vangelis)

Fim (2006) - Miguel Torres (curta metragem)

Baseado na obra "O Estrangeiro" de Albert Camus.
E quem não se sente um estrangeiro?...
Inquietante é uma boa definição.

Tatá Aeroplano - Te Desejo, Mas Te Refuto


Sobre mudanças e lembranças (por Briggida Lourenço)



"Os espaços que ocupamos, por onde passamos ou que em algum momento pretendemos ocupar, mesmo que de forma passageira, nos deixam marcas, boas ou não, mas compõem nossa identidade...E viva ao próximo passo, viva aos velhos e novos momentos, viva a vida que passou, que vivemos e tudo o mais que ela trará. As lembranças você levará para sempre, independente de onde estará. Todos nós levaremos boas lembranças, pois, são as que valem a pena serem lembradas".

Briggida Lourenço
23/05/12


"Saudades Também"

Cartier Bresson


Acordou-se de súbito, sentou-se na beira da cama e olhou vazio para a janela. Passou as mãos pela testa, o suor escorria sobre seus olhos, ardia o sal. O calor daquela madrugada desestimulava qualquer menção a retomada do sono. Quase quatro da manhã, pensava: “era pra correr alguma brisa”. Janelas plenamente escancaradas, o ar condicionado quebrado, o ventilador parecia inútil adereço, cúmplice daquele suplício. Não conseguiu encontrar o relógio. Estirou a mão para o criado mudo e tocou o maço vazio de cigarros, só então se deu conta do fato de que ela o havia deixado há algumas horas atrás, e por obra de alguma forma de cansaço extremo, um tipo de torpor, que causara uma suspensão dos sentidos e das sinapses, conseguiu não lembrar-se por alguns instantes de algo tão grave. Voltou-se imediatamente para trás.  Fato, ela não estava mais lá, lado esquerdo da cama vazio. Espaço vazio e lençóis desarrumados, o cheiro dela ainda marcava-lhe as narinas, única presença residual naquelas fronhas. Pensou na efemeridade daquele registro: horas? Dias? Quanto tempo durará ali sua presença última, a latência de sua presença irrealizável, ida negada na impressão que sua mão ainda carregava aquele perfume de lavanda, perfume de homem, como ela gostava. Voltou o olhar para o lado da porta, tantas idas e vindas até aqui, terá sido a última vez? Seus pensamentos iam e vinham realizando loopings infinitos em formato de oito, do jeito que ela lhe explicara um dia, a forma como funcionavam os “ritornellos” da vida. Tivera medo de dizer-lhe te amo, medo que sua coragem súbita parecesse ridícula, frente ao ímpeto que tanta juventude trazia sem fazer nenhum esforço, não disse. Calou-se naquele tempo impreciso quando mais um passo teria feito toda diferença no embalo pra saltar o precipício da novidade, do incerto, do inevitável. A falta dela naquele quarto nesta madrugada era como o vazio da queda depois do salto, sentia-se voando até dar-se conta que aquele ponto verde se aproximando rápido era o próprio chão.  Conseguiu arrancar um riso envergonhado de si mesmo, lembrou-se do cachalote do Guia do Mochileiro das Galáxias, era ele em queda livre. E sem levar toalha. Buscou o celular, nenhuma chamada, nenhuma mensagem, mais vazios. Foi até a varanda. A rua também vazia lá embaixo não impacientava apenas pelo texto que gritava para si sobre as coisas que não estão mais lá, mas também do tempo que passaram dividindo aquela mesma vista, do que percebiam juntos: do céu, ao ninho de passarinho escondido nos caibros da casa vizinha. Deitou-se na rede e sem titubear enviou-lhe uma mensagem, assim, a mais rápida e mais cuidadosa, com todo o investimento de sentimentos que podia sem avançar sobre fronteiras que não dominava: “saudade de tu”. E deixou-se apagar no fundo da rede. Quando o sol lhe acordou pouco tempo depois, ao levantar-se, pisou o celular que havia sido largado no chão. Ao tomá-lo, verificou de forma displicente o visor, pois não haveria nada pra ser visto ali. Porém, enganara-se, poucos minutos depois que caíra no sono chegara a resposta dela e ele não vira: “saudades tb”... foi preparar um café, era um novo dia. Sentia-se um John Wayne dos SMS’s.

domingo, 26 de agosto de 2012

Beta Band - Dry The Rain

"This is the definition of my life
Lying in bed in the sunlight
Choking on the vitamin tablet
The doctor gave in the hope of saving me
In the hope of saving me..."


Alguma Notícia? (conto)




Nunca mais ninguém havia tido notícias dela.
Naquela noite iria encontrá-la. Temia ser a última vez, adiantara pra si mesmo o roteiro, não devia fazê-lo, não mais, mas fazia naquele momento o spoiler de sua própria vida. Bem, ela disse que iria ao seu encontro, não sem alguma resistência, pôde senti-la naquele cacoete que ela sempre teve em momentos de relutância. De alguma forma precisavam se ver mais uma vez, por isso interpretou o terceiro suspiro dela como parecendo ser um sim para aquela pergunta a qual ele não tinha coragem de fazer... (as reticências persistirão. Antes eram PS’s, mas isso foi há muito tempo)
Pensara por um lapso, enquanto o silêncio marcou o tempo do mundo: “melhor deixar tudo pra lá, nada mais há pra ser dito, os melhores dias se foram, o que há hoje já não diz quase nada sobre o que fomos”. Certa vez, num boteco barato perto do centro ao qual costumavam ir, ela lhe disse: “nunca entendi bem como nos encontramos, nunca fui muito de pensar nessas coisas. E hoje, nessa noite, nesse bar fuleiro, me pego pensando sobre o futuro. Não sei se gosto, futuro nunca entrou em meus pensamentos". E concluiu: “não sei se devo agradecer isso a você, provavelmente não (silêncio), pois te amo”. A angústia o tomou de assalto depois do beijo que se seguiu. Despertara um monstro de duzentas cabeças que nunca dormira no interior dela. Pensava agora como num moto continuo: “o que fiz? O que fiz? O que fiz?...”, Mas isso foi há muitos meses. essa noite, seria diferente, o futuro chegara, as coisas mudaram, o cotidiano pode ser muito cruel com os sonhos, só perde pro absurdo, em poder de desmontar felicidades.
Chegado o momento do encontro, ela, pra variar atrasada (muito). O mesmo boteco mofado, ela fez questão de que fosse lá, depois dele ter dito que tanto fazia o lugar. À porta do bar, a imagem daquela mulher linda, parada por um instante enquanto tentava localizá-lo entre as poucas pessoas que estavam lá, parecia ser a medida do frame que gostaria de levar pra sempre se o mundo tivesse que acabar ali. Vestia aquele vestido de tons verde(azul?)-piscina, com cara de domingo de sol, aquele mesmo que um dia disse-lhe toda feliz que havia comprado em um brechó que vira do ônibus outro dia. Sorriu e veio sentar-se. O sorriso veio fácil, era automático, nada parecia mudar, apesar de tudo que tanto mudara. A velha junkbox , fiel, tocava os embalos cafonas os quais ela amava. Ele, metido a seletivo (um tanto esnobe e aristocrata firme em sua crença no seu pseudotalento em escolher bem). A cerveja quase nunca estava gelada, mas mesmo assim ele sempre insistia. Ela pediu uma cachaça e limão. Sua cara. Fazia muito bem a cena de virar o primeiro trago sem fazer caretas. Ele nunca conseguira. Mas pedira uma dose também, antes da cerveja. Depois que ele fez sua tradicional careta, ela riu: “menininha”, disse.
“E então, como vão as coisas?”, ela perguntou direto, mais do que ele poderia se enganar achando que ela não o faria. “Conte-me as novidades”, completou. Ah como desejara profundamente que ela não repetisse aquela pergunta. “Ok, tudo andando”, respondeu ele sem muita convicção. E vieram as perguntas de praxe: “então como está o gato, as plantas sua casa? E sua Mãe, Dª Fulana vai bem?”. Por que ela fazia aquilo, pensava ele, o que ela fazia ali, por que com ele? Por que tão linda, sempre? Claro que o que queria ouvir nunca mais sairia da boca dela, ou não, era contraditoriamente otimista às vezes. Então disse a ele que não poderia se demorar ainda tinha outro compromisso. Ele não precisava de legendas, não mais, sabia a algum tempo do que se tratava a velha história, mas antes do final daquela dose de cana e da cerveja, tudo podia esperar ficar pra depois, pra lá, além do que não precisava ser dito ali. Seus olhares tentavam ao máximo não se cruzar, enquanto era melhor inventar qualquer assunto urgentemente para não ter que encarar o inescapável. Escaparam, o tempo passou, a cana e a cerveja se foram dos copos.
Ela levantou-se, apenas depois que a última música tocou, abraçou-o forte, “a gente se vê” disse-lhe baixinho ao ouvido naquela despedida. Nunca mais a veria. Não sabia exatamente o que havia ficado daquilo tudo, o que havia acontecido estava longe de qualquer explicação. O que deixara de ser também, por absoluta falta de parâmetros pra imaginar. Pôde virar todas as cervejas quentes naquele bar antes de voltar pra casa, vacilante, pelas ladeiras escuras do centro. O que poderia ter sido é o eco insistente das coisas que não deveriam nunca ser lembradas. Não conseguiu chegar a casa, foi visto pela última vez dormindo em banco de praça. Depois, sumiu no ar, como fumaça, quando a última Lua também desapareceu do céu.
Agora era dele de quem nunca mais teriam notícias...