domingo, 22 de janeiro de 2012

Poesia 23 - Desmanche


Desmontado
Pedaço a pedaço com uma gilete e uma britadeira sutil
Montar-me não faz mais tanto sentido
Ao avesso, sentir é contorcer-me noutro mundo
De largas sombras de um sol escuro
Entregar-me ao vazio de sua garganta
Além de sua língua
Dos interstícios de seus dentes
Raspar do tacho quebrado sem bordas
A saliva e o suor que restaram
Da hora que você suspirou pra sempre
Todo meu desejo
E me disse com todo amor
Da urgência ensandecida
De sua partida
Que faz o brilho de seus olhos
E do sorriso besta
Por um corpo revirado
Deglutido
Aos pedaços
Pendurado
Pelas paredes

                                                Van

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Poesia 22 - Cada Momento

Uma foto: Tambaba, Conde-Paraíba, Abril/2011 (Van)

A cada momento revira-se em si
Em cada revolução sobre si próprio
Encontra mais do caminho que o assusta
De si veio a certeza de um grande mar vazio
Mas ainda belo
Sente a areia e seus pés se alegram
Senta-se
E tempo escorre como quando era criança
Se aninha em seu sonho
Pra brincar de sorrir pra vida

                                                                    Van.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O lado B do amor e suas incógnitas - Antônio LaCarne


O lado B do amor e suas incógnitas


Antônio LaCarne

Querida pessoa X,

Eu ainda tenho forças. Se eu pudesse, trataria de recompor as recompensas e te expulsar diretamente do meu círculo de obsessões. Cansei, por eternos momentos extremos, de me debruçar em mesas de bares, citar teu nome vão – aquele buraco cor de lodo que me engasga, mas que me fortaleceu com um pé na bunda quando precisei dar uma voltinha por cima.

Eu poderia ser mais uma dessas pessoas felizes – como o casal apaixonado da novela – com aquele brilho no olhar de quem se encanta com o mundo e sua fórmula de ups and downs. Mas é que a minha ousadia em ter me apaixonado por você me destruiu as pernas, o tato, e não consigo esboçar um sorriso diante das possibilidades. Tenho bebido demais, pensado em você nos instantes em que o happy hour com os amigos serviria de consolo e comunhão entre irmãos. Tenho exagerado nas guloseimas, e infelizmente adquiri um aumento de peso impróprio à minha estrutura de indivíduo calmo, discreto. Perdi o controle nessa insatisfação que é te enxergar em fotografias junto com aquele amor que te faz tão bem, enquanto me contento em ser expectador da tua vida e regurgitar a dor.

Inutilmente tenho culpado o destino por não saber controlar a raiva, e em revolta derrubei um jarro de flores num falso acidente doméstico. O tempo passou e continuo preso às correntes do abandono. Mas o desconforto se torna raro quando sei que o meu futuro depende de uma dose de sorte, pois já não sei o que esperar dos dias.

Penso em você ao inventar mentiras, ao responder que estou tão bem quanto o frescor dessa brisa que assanha nossos cabelos. O amor que se tornou uma lama imaginária presa à minha disponibilidade na noite, nos drinks que vêm e vão, na madrugada de volta pra casa quando converso com o taxista sobre a previsão do tempo.

Meses e meses, semanas com aquela puta dúvida de discar ou não o teu número para um simples oi de “vamos passar uma borracha sobre tudo isso”. O primeiro instante do dia ao abrir os olhos e enxergar no teto a imagem desenhada do teu corpo.

Mas ainda não encontrei uma cartada final para este lado b do amor e suas incógnitas. Talvez como exercício, eu esteja no caminho certo e decida traçar o primeiro passo de uma auto ajuda enviando esta carta pública para revistas de fino trato, assim como quem não quer nada, como quem quer tudo.

Y.

(Texto publicado no Don´t Touch My Moleskine)

sábado, 14 de janeiro de 2012

De bares e grafittes



Madrugada, centro da cidade. Caminhavam pelas ladeiras do Centro Histórico, agora, escuras e desertas. Não era um casal, não estavam de mãos dadas. Tinham se visto há poucas horas num bar que descobrira escondido nas ruas de baixo havia uns poucos meses.
O ecletismo musical do lugar era impressionante: indie rock, eletropop, algum trip hop,  intercalados com alguns novos talentos da cena menos massiva da música brasileira e mais algumas viradas incríveis, onde se ouvia Los Hermanos e Chico Buarque. 
Além da boa música, ambiente meio à penumbra, devidamente desleixado. Pouca gente, ficava numa área mais marginal do Centro, os descolados e playboys das ruas de cima não andavam por ali, "não havia gente bonita", diziam.
Passaram a noite sós, em lugares diferentes do bar, ele ao balcão, num canto onde havia uma curva que lhe fornecia um panorama do salão e dos frequentadores - e uma discreta luminária de teto emprestava uma certa mística noir a aquele ponto, lhe agradava. 
Ela, numa mesa no canto. Morena, pele clara, cabelos compridos, seus olhos eram escuros, vivos e piscavam rápido com graça juvenil. 
Fumava, não deixou de notar a caixa de cigarros mentolados sobre a mesa e ainda, como parecia mais elegante enquanto fumava, olhando o vazio através das pessoas, através das curvas etéreas que a fumaça escrevia no espaço. Pernas cruzadas, sentada meio de lado na cadeira, com uma das mãos contornando lentamente a borda do copo. 
Como ele, sua diversão parecia ser simplesmente estar ali, e não estar em lugar nenhum, que seus próprios pensamentos. Com duas diferenças, pra ela, talvez nem a playlist tão diligentemente escolhida e um dos motivos que o fazia ir até aquele bar, parecia importar tanto, e a segunda é que, ela, fazia toda diferença naquele lugar, naquela noite!
Ele tomou algumas vodkas com gelo e limão, cinco ou seis, não lembra direito. Já estava naquele momento que sua mente o convencia que era uma espécie de Hemingway, ou Woody Allen, ou amigo de um conhecido que um dia bebeu com eles por ai.
Percebera que nessa noite não pensara mais nas improbabilidades do amor e nas intricadas e absurdas engenharias do gostar e desgostar. Parara de filosofar e poetizar o mundo, havia coisas mais importantes acontecendo à sua volta.
Passara a noite hipnotizado pela morena de gestos suaves e lábios de contornos delicados. Nunca suas vodkas desceram tão rápido quanto nessa noite.
Viu, claro, que ela também bebia vodka, ou seria gim? Era uma bebida clara com bastante gelo. Pensava em algo para dizer-lhe, torcia que fosse vodka, poderia ser um assunto: qual a marca que você prefere, Smirnoff, Orlof, Absolut, qual sua preferida? 
"Rídiculo!", pensou. Talvez não fizesse a menor diferença pra ela e simplesmente ela tomasse qualquer uma, ou a mais barata, como ele. Não, parecia-lhe sofisticada demais, longe do tipo que pediria qualquer marca, que aceitaria qualquer coisa, ela escolheria meticulosamente certamente, nunca ficaria com nada que não lhe fosse absolutamente adequado e haveria muitas razões pra cada escolha, pensou. Bem, só não seria Ciroc, não parecia rica, nem tão pouco esnobe...
Esses devaneios coincidiram com o momento no qual, pagando a conta, percebeu que ela fazia o mesmo, levantaram-se ao mesmo tempo, ele tentava convencer-se que havia sido apenas coincidência, que ele não o fizera pelo efeito de algum tipo de indução inesperada, resultante da presença da moça e dos delírios que compusera em sua cabeça sobre seus gestos singulares e olhares magnéticos, porém sem alvo, que não sua imaginação à toa.
Saíram lado a lado pela mesma direção na rua. Os primeiros passos foram como deveriam ser, em silêncio, eram estranhos dividindo o meio da rua deserta, sem pressa, numa noite de fim de lua cheia. Súbito, ela falou. - Oi, você estava no balcao, não é? 
- Sim estava. Respondeu. - Reparei em você. E imediatamente colocou em ação o único assunto que sua mente confusa, pega em flagrante de admiração, poderia articular.
- Lugar legal, não?
- Sim também gosto. Ela respondeu, sem demonstrar muito interesses mas com uma atenção que já lhe soava como um alento. E continuou, para a surpresa dele. - Você tomava vodka, não? 
- Sim. Respondeu ela,  - Smirnoff.
- Ela disse então, prefiro Orloff! Percebeu um leve toque desafiador em seus lábios nesse momento. Pensou, como alguém vai preferir Orloff à Smirnoff?! Não fazia sentido.
E depois falaram sobre como gostavam de tomar, pura, com gelo, caipiroska de tal e tal lugar, com essa ou aquela fruta... "Nossa", pensou, salvo pela vodka!
Depois de alguns dois ou três quarteirões a conversa evoluíra surpreendentemente para o porque da solidão dos dois naquela noite e ambos falavam generalidades sobre amores perdidos e não esquecidos. Até que, súbito, ela parou. Pararam!
Numa parede envelhecida havia alguns gratittes. Ela os observava. Ele leu em voz alta um deles, dizia: "o amor é um cavalo voador com um frágil asa de vidro". Ela riu, e leu um outro um pouco mais abaixo: "pássaro cantor, janela aberta, liberdade certa". Não houve mais risos...
A lua já estava baixa no céu a essa hora, caminharam mais algumas quadras juntos e em silêncio. 
Separaram-se com um beijinho na face, daqueles perto da boca e um tchau escorrido, quase como que arranjando um motivo desesperado e sem nenhuma noção pra ficar ali.
Porém, se foram e não se deram as mãos.


                                                                                                                   
14.01.12









sábado, 7 de janeiro de 2012

Uma Foto: Primeiro Dia



João Pessoa, noite do primeiro dia de 2012, avenida Epitácio Pessoa. E ninguém conseguiu chegar ao mar.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Conto: MARACUJÁ, CHOCOLATES E MORANGOS


Agora era entardecer, e fazia calor, verão. Estava longe de casa. Pela janela, uns prédios ao longe refletiam as luzes da hora mágica, amarelada, sobre um céu azul profundo, que talvez só sua cidade tivesse. A brisa agora soprava fresca e lhe agradava escrever enquanto as cortinas se moviam. Esse pequeno alento lhe inspirava a expressar suas últimas sensações, a descrever aquele incomodo e a expectativa que lhe perseguia sobre tudo o que estava fora de seu controle.
Pensava agora sobre uma coletânea de últimas imagens, últimos cheiros, derradeiros toques e esperanças instantâneas, sutis, que emergiam da lembrança do último sorriso. Quão eterno quisera que tivesse sido aquele momento. Aquela alegria espontânea do reencontro com os velhos aromas, mar, praia, protetor solar. Naquela noite por alguns instantes, tudo se encheu de Sol. Mesmo sem lugar, por ruas abarrotadas, vagando sem poderem chegar ao porto, sabiam sem confessar, o que queriam dizer um para o outro.
Não disseram! O não dito ficou no ar como um poético talvez, ou um agridoce nunca mais. Mas não, eles não tiveram coragem. Preferiram sorrir um para o outro, como sempre fizeram, como gostavam de se ver. E em silêncio essa brecha milagrosa do tempo foi-se fechando, encerrando na iminência da batida da porta as possiblidades de um ato intempestivo, de uma declaração explosiva, de uma quebra do roteiro. Não, o certo parecia mais forte do que tudo, se impunha com a força de um decreto recém expedido. Por outro lado havia muita poesia no que era considerado errado e também desejo. E poesia sempre atrapalha. Amor é algo pra se guardar em segredo, pra algum momento furtivo, num futuro que pode ser o agora desse por do Sol, ou de um momento inesperado, vindouro, dourado, explodindo em sabores de maracujá, chocolates e morangos...
Ouvindo o som das ondas ao longe.
Eles estarão lá?