segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um beijo no futuro


- Escreva como se não houvesse amanhã!

Disse para si mesma naquela manhã de domingo. Havia uma urgência de fim de mundo em dizer para aquele moço tudo aquilo que há tempos trazia engasgado a menos de meio centímetro do coração, uma pressa de ontem e saudade de algo que poderia ter sido, dessas que parecem com a vontade impossível de bolo de chocolate com maracujá numa madrugada qualquer quando tudo mais está fechado e a sede se confunde com os ponteiros engessados do relógio de parede.
Não sabia exatamente por que ele, nem tão pouco porque nesta manhã, diferente de todas as outras desde que o conheceu, mas o fato nesse momento de não encontrar seu bloco de notas a afligia:

- E se perdesse a ideia? E perdendo a ideia perdesse o cheiro do abraço dele?

Não podia se dar ao luxo, perder era uma palavra proibida por aqueles dias, encontrou seu bloco amarelo, que trouxera de uma dessas viagens marcantes pra um desses lugares que tanto sonhara. Caneta, começar a escrever... Pra ele? Pra si? Um registro? Uma revelação? Uma declaração? Ou um desabafo? Um roteiro ou um poema? Nunca soubera o momento, sempre se mostrara uma mulher de ação, fazer antes, pensar depois, menina afoita que roubava a bola dos meninos, desde sempre! Por que escrever agora? Mas o momento pedia escrita, o preto no branco do papel, a cor que marcaria uma história, o marco zero, sobre o bidimensional fantasmagoricamente vazio daquela folha...

Mas não escreveu pra ele, mas como se fosse. Escreveu para um passado remoto de um romantismo idealizado no qual as dores foram todas substituídas por lembranças de chocolate amargo com menta e para um futuro de cinema em 3D. Falou de fortes cores imitando Almodôvar, quentes como o verão, derretendo a pele numa ficção de várias metragens, durações curtas a infinitas, nas quais a marca suave da sua caneta deixaria na pele dele aquela cor que ela mais amava, como um beijo.

Escreveu como se torcesse que ele a lesse mesmo antes da postagem, mesmo antes de ter nascido, antes de ter feito a primeira coisa na vida da qual se arrependesse.

Lesse com a vontade de quem abraça depois de tantos dias de espera, e como se a vida de fato pudesse ter um final feliz.


Um comentário:

  1. "Escreveu para um passado remoto de um romantismo idealizado nas quais as dores foram todas substituídas por lembranças de chocolate amargo com menta e para um futuro de cinema em 3D." haha, Tão eu.
    ;* Menino verde.

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