domingo, 2 de setembro de 2012

Um Conto Curto, Ou Uma Novela?




O jeito daquelas moças todas no bar, seus movimentos rápidos, sorrisos abertos em uma alegria intempestuosa, dessas que enfrentam o futuro como se esse tivesse a simplicidade de um passado bem resolvido, não contido, na vontade de continuar a colecionar o novo. Ele, recém-chegado, desses rapazes de poucos amigos, do tipo que costumam cruzar as ruas do centro na noite de sábado só pra saber o que tem de legal (ou que deixava de acontecer) no boteco da próxima quadra. E então parou ali, na porta larga daquele boteco antigo, cujo dono resolvera mudar toda a cara do lugar. De alguma forma dera certo, casa lotada. Nova roupagem do espaço, novas cores, luzes e gente, sobretudo agora, com aquelas meninas de riso fácil, pele brilhante e olhares de desafio. Parou um pouco, iria entrar, precisava de uma cerveja, precisa de uma cerveja urgente, e daquele lugar. Ele, como quase todo mundo que deslizava por aquelas ladeiras nesses dias estrelados (e lotados) de verão, não tinha nada de impressionante, sua fisionomia e roupas o confundiam com qualquer um daqueles moços que perambulavam buscando qualquer diversão, além do tédio das coisas pra fazer que a semana maldosamente lhe destinara.

Numa dessas mesas animadas de gente fagueira, cruzou com um olhar antigo, desses que guardam segredos de certo momento da vida, que serão encobertos propositalmente por muitas camadas de novas sensações, desejos, desapego, covardia, coragem e, porque não, amor. Não acreditava no que via: não ela, não ali. Havia pensado muitos anos no quanto esse olhar o comovia, revoltava, cativava... Destruía-lhe. A separação deles havia sido um desses marcos definitivos, desses marcados em carne, na qual a injustiça do tempo se tornava mais evidente ao não querer respeitar nada, nem a idade, nem o frescor das expectativas juvenis, dos planos e conquistas inacreditáveis até aquele então. Já não reconhecia ninguém que a acompanhava, nem o cara de meia idade com jeito de professor de filosofia, nem a mulher descolada... Artista plástica? Nem os outros, leves demais para ele, para o peso de uma juventude malhada por responsabilidades em uma rotina estoica de fuga diária pra qualquer coisa que não permitisse pensar o devaneio. Sua única exceção, as noites de sexta.  O ato de sair do trabalho para as ruas movimentadas da noite que caia, o seduzia para sonhos dolentes e emudecidos há muito tempo.

Aquele encontro na verdade era a história do reencontro de dois olhares que não se podiam mais. Naquela noite uma verdade qualquer da qual ninguém mais falava, nem tão pouco precisava, refletiu-se naqueles olhos castanhos, parou o tempo, cravou-lhe as unhas compridas no peito, marcou-lhe o coração com aquele batom vermelho, daquele carmim sanguíneo belo, mortal como uma flor roubada na saída do colégio. Aquele olhar! Como a cena “daquele filme” do Wood Allen que ela tanto gostava. Nada daquilo estava no seu roteiro, nada daquilo deveria acontecer, um dos dois poderia estar vivendo sua vida longe, numa dimensão paralela, onde ninguém precisasse lembrar que existia algo como a paixão.
 Daquele final sem final, no qual um rápido cruzar de olhares e um meio sorriso foram toda a história de fato que ainda poderia acontecer entre eles. Restou-lhe a sensação que a vida era breve como um conto curto, assim como ela sempre achou que fosse, quando, nesse momento, ele estivesse mais propenso a pensar a vida como a sucessão de capítulos, uma novela, na qual viveríamos as idiossincrasias de um roteiro que muda o tempo todo, assim, até o fim.

Recuou, não tomou sua cerveja. Não ali, não naquele bar... Havia um outro na quadra seguinte o qual o dono ainda não reformara... seus olhares poderiam esperar pelo próximo reencontro, a cerveja não.

7 comentários:

  1. Esse título?
    Depois comentamos esse texto, se não vc vai falar que esqueci alguma coisa...

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  2. Me ganhou para além do carmim marcando peito e presença...

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    1. O carmim marcado é apenas espaçoporto, o que não é pouco, pois o peito aprende contigo a sorrir um céu estrelado!

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  3. Eu poderia jurar de pés juntos que vi tudo isso...

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    1. E eu já pensando com seria ver isso que tu estás pensando... como um filme também. Apareça.

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  4. Dave Bowman há tempos não viajava num desses teus intensos contos!
    Compreendo que vi igualmente pela leitura.

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