segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Através da Fresta


Das coisas que precisava dizer-lhe, a maioria não fora dita quando se despediram. Ficaram penduradas por um último fio, em algum suspiro, em algum olhar de canto, numa piscadela mais falante que o fechar suave da porta silenciou de súbito. 
O último carinho nos cabelos dela, enquanto estava distraída neste dia em frente a TV, era o máximo que podia trazer ainda na memória da ponta de seus dedos. Ali nesta mesma oportunidade, ela oscilou entre estar presente e em qualquer outro lugar no seu incrível universo sem fim, pelo menos umas trintas vezes. Almoço, vinho, café, conversa e o tempo que passava, cada minuto como instantâneo de um jogo no qual o final era previsível, pois já descrito num conto-poema que falava que eles não podiam estar juntos, mesmo enquanto seus olhares diziam o contrário. 

Nessa tarde conversaram sobre todos aqueles pequenos fatos da vida, as pequenas grandes coisas, dessas que fazem mais sentido quando compartilhamos, como que mostrando um antigo e desbotado álbum de fotos de família, aquelas pequenas histórias de vizinhança, de jogos no colégio, de arenga com irmãos, o flerte com a prima, a zanga com o pai. Essas coisinhas que quando não datadas e narradas, perdem-se como as coisas que ansiamos nos deixarem pra sempre. Durante o tempo em que estiveram vendo, ou pensavam que viam aquele DVD, o lapso em que se tocaram se estendeu pela dimensão toda do universo, a primeira vez, a primeira sugestão e todas as possibilidades que a pele intuía em algum automatismo de prazer. Negar, permitir, fingir, tudo estava presente na imobilidade congelante de algo que estava inexoravelmente acontecendo. Demasiado tarde para fugas. Registro efetuado, dali em diante tudo seria diferente, mesmo quando não mais fosse.

Hoje, depois de tanto tempo, quando ele lembrou de tudo isso, pensou em ligar-lhe, pensou no desconserto evidente de sua voz ao dizer-lhe que sentia saudades, e a expectativa do vácuo amistoso, e delicadamente distante que viria em sequência. Ah, a distância: a segurança daquele castelo de nuvens, o pequeno passo a ser dado para que toda a aventura recomeçasse quando novamente se desapercebessem. 

Ainda lhe ocorreu: Mais uma taça de vinho e ela se foi. 
A porta não fechou de todo, ficou uma fresta por onde ela, sem cerimonia, se mostraria. Ela sabia, nunca haveria segurança.
Quanto a ele, começou a entender.

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