quarta-feira, 28 de novembro de 2012

De Cafés e Perfume

"Coffe and Cigarettes" (Jim Jarmush, 2003)

Ligou para ela assim, de súbito. Nos segundos que seguiram, enquanto ouvia o tom de chamada, pensava no tamanho da besteira que fizera. Era tarde, ela atendeu. Novamente, aquele ansiado rouco “alô”.  Seguiu em frente, depois da conversa sobre como iam os pais, as plantas, os sobrinhos, o momento tão bem decorado durante vários cafés, banhos e noites insones: precisava vê-la novamente. Outra pausa, pensar sobre isso era uma aventura tortuosa, os dias já haviam se transformado em meses a essa altura. Resistiu durante todo esse tempo, havia orgulho, uma ideia de honra que ele tirara sabe-se lá de onde, certamente, de algum manual de suicídio afetivo. Mas agora, tudo bem, ou pior, ela aceitara um encontro!

Tinha um tempo na agenda, aquele café discreto, meio de tarde. Desligaram. No dia marcado, nada podia começar pior, ele pra variar, atrasado, adquirira esse hábito (ao qual ele chamava de arte) há pouco tempo, o tempo era o inimigo de uma guerra assimétrica, ele era o alvo, a minoria étnica a ser extinta, nada havia de direitos humanos em seu favor.

Ela estava lá, seu vestido branco, com detalhes em verde, pernas cruzadas. Segurava com delicadeza o cigarro em uma mão e com a ponta do dedo médio da outra mão acariciava a asa da xícara de café. Seu rosto estava plácido, distante... Seu tom blasé perturbou-o, não percebia mais os solavancos do fim, nem traço dos abalos do final, nenhum holocausto residual em lugar nenhum de sua face. Apesar de tudo, sua discrição, movimentos brandos, quase coreografados com aquela bossa nova que saia do alto falante da parede ao lado, o comovia.

Em meio a fumaça que subia lentamente, seus olhos castanhos, lhe escreviam o seu próximo texto antes mesmo que seus lábios pronunciassem algo. Depois de cumprimentá-la com um único e demorado beijo no rosto, atrapalhou-se com as palavras, “típico” pensou, já soando frio. A conversa seguiu seu rumo previsível, trabalhos, plantas, sobrinhos, casas, até o último Woody Allen. Três ou quatro cafés, alguns cigarros, ela precisava sair, tinha dentista, ou alguma coisa assim... Ele ficou, mais alguns cafés solitários, tinha tempo. Via na fumaça dos cigarros alheios as voltas do cabelo dela. Algo havia mudando ali.

Depois de alguns momentos vendo os passantes que se apressavam para o fim de tarde, lembrou-se do cheiro do perfume daquela garota que conhecera recentemente. Amigos em comum, uma ou outra carona. Aquele cheiro! Aquele mesmo que deixava seu carro tão feliz durante os dias que se seguiam depois que ela aparecia. Pagou a conta e saiu, nesse fim de tarde pensou sobre o sorriso da garota de perfume amadeirado, se veriam esse final de semana? Tinha tempo, foi a um bar e pediu uma cerveja.

domingo, 25 de novembro de 2012

De Passos a Esmo e Cafés



Cinco da tarde era verão. Após andar a esmo pelas ruas do Centro, imerso nas idas e vindas à toa de todos que não conhecia, sentiu o calor minar-lhe o ímpeto resistente de continuar a andar para esquecer. Tinha que sentar. Perder-se entre os passantes, era perder a própria identidade daquele tempo, negar-lhe um rosto, eximir-se dos sentimentos. Tudo um plano, procedimento de emergência que adotara nos últimos meses, depois que ela o deixara. Flanar era seu dispositivo de fuga, sua máquina contra o tempo. 

Enfim, cansado, suor abundante na fronte, tinha que parar e fumar um cigarro. Percebeu-se frente à praça que ela mais gostava, diante ao seu cinema favorito, e se deu conta que, automaticamente, já estava na mesma mesa do Café no qual ela lhe falara de seu desejo de viajar pelo mundo, talvez, pra nunca voltar. Ele rapaz da cidade acostumado ao chopp, cinema e futebol com amigos, nunca entendera os ímpetos incontidos daquela moça morena com sorriso de menina. Naquele mesmo café, no qual paravam depois das sessões de cinema, ela disse para ele que partiria, mas prometeu-lhe voltar. 

Ele não podia acompanhá-la. Pensou: Algo nas partidas sempre tem cara de eternidade, a despedida é um adeus travestido de até logo. Ela partiu para uma grande cidade atrás de seus sonhos. Ele ficou. Continuou enganando seu próprio tempo através dos passos que escreviam um texto sobre as paisagens que olhos castanhos de seu antigo amor viam pelas ruas do centro. O cheiro de café sempre lembrava seu beijo.

Nunca mais se viram.

domingo, 4 de novembro de 2012

À Beira da Estrada*



Carro no prego, conversa com um borracheiro à beira de uma estrada qualquer. 
Uns anos atrás:

"Eu conheci um sujeito da tua terra, cara muito legal, há muito tempo atrás. Foi meu cunhado. Era noivo de minha irmã. Morávamos no Rio, toda família tinha se mudado pra lá, saindo do sertão. Eles iam casar e antes disso ela morreu. Triste isso, tão jovem... 

Eles tinham um dinheiro guardado na caderneta de poupança pra construírem a casa deles e minha família não queria deixar o rapaz ficar com o dinheiro. Um irmão disse que se desse o dinheiro para ele, ele sumiria. Mas convenci meus pais a irem ao banco comigo tirar o dinheiro e entregá-lo para o meu cunhado. Para surpresa deles ele não sumiu, mas pegou o dinheiro e construiu um túmulo de mármore para minha irmã, um patrimônio... 

Depois do enterro ele foi embora, não se despediu. E nunca mais soubemos notícias dele. Ele era um homem honrado. Uns anos depois tentei por todos os meios encontrá-lo, procurei muito, mas não consegui..."

Fiquei pensando no que estaria passado pela cabeça do rapaz enquanto construía o túmulo de mármore, antes de desaparecer pra sempre. 
A festa de casamento poderia ter sido muito bonita. 
Poderia...

* Publicado originalmente sob o título de "Perhaps" em 16/10/2010, logo no início do blog. Fiz algumas modificações na forma, mas de resto, é tudo verdade. Perhaps...

sábado, 3 de novembro de 2012

Bobagens, amanhã é domingo



Depois que a Tropicália se desmanchou no ar, que a música virou pós Los Hermanos, tudo mais é fofo e que nos encontramos no epílogo da "Farsa de Todos os Amores", o sentimento só pode ser que tudo é instantâneo e além, dos pedaços ao avesso de todos os desejos.
Coisas que nunca serão ditas ainda serão a ordem do dia de um tempo transparente onde tudo se sabe, mas ninguém sai do lugar. E tudo continua igual a quando a TV era valvulada. Descobri: sem televisão a vida continua.
As coisas que sobram pra se chafurdar no chão polido da sala de estar, quando os convidados estão quase chegando. 
Mas não há anfitriões.
E casa é uma forma de dizer e um CEP pra receber contas.
Nesse meio termo coisas desaparecem, pessoas idem.
Seguimos cantando a nova sensação que youtube revelou.
O que Caetano diria?
- Bobagens, pequena. Bobagens... Amanhã é domingo.

Bastante

Marc Chagall - "Bela in Mourillon" (1926)

Ela deixou a porta aberta
Nada disse ao sair
Voltar parecia não ser opção
Fingi não querer saber
Apenas fiquei e fiz um café
Ela não voltou
Numa tarde qualquer, uma ligação
Ela, já sem nenhum porquê
Depois do rancor
E um vazio estranho
De assunto
De chão.
Não, a casa é vazia agora
Menos que por outras coisas
Pelo esquecimento
Só preenchida pelo cheiro do café,
Há chão inteiro pra deitar
E é o bastante.
 - Venha olhar o céu daqui. É diferente...