quarta-feira, 20 de março de 2013

quinta-feira, 14 de março de 2013

Mais uma tattoo



Então, num súbito, ela sentia-se radiante frente a ele. Não tinha mais medo de sua nudez, nada de seu corpo a envergonhava, nem era muito gorda, nem muito magra, seus pelos, peitos, ancas estavam lá como se antes de toda vida sempre estivessem.

Enquanto mirava os seus olhos, sabia que daquele instante para frente começava a dominar um novo jogo, no qual todos ganhavam e todos perdiam. Gostou daquela sensação, não era mais apenas uma garotinha, mas, mesmo parecendo uma, tinha um poder infinito, podia desintegrar meia galáxia se quisesse, piscando apenas um olho. Naquele momento que se virava, podia pô-lo ao avesso com um leve requebrar, agora sabia como funcionava.

Mais nua do que nunca estivera, ao mesmo tempo, escondia tanto que nem mesmo o menor grão de luz podia penetrar pelas brechas infinitesimais de seus pensamentos. Ela estava além de si mesma, porque agora sabia que havia algo de si que tinha conquistado para toda vida. Ele a olhava com desejo, porém, certamente, absurdamente alheio às intensas revoluções internas pelas quais passava a cabeça daquela garota.

Numa sequência de segundos eternos, ela deus alguns poucos passos em direção à cama daquele quarto de motel barato. Ele não sabia. Ela estava se encontrando, e ele...  Estava perdido.

Ela fez uma tatuagem em alusão a esse momento. Era uma tattoo engraçada, ninguém nunca entendeu. 

E ela nunca explicou.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Um turno a mais


Chegou do seu turno ao final da madrugada. Ela estava, como sempre, acordando pra ir trabalhar, pegar o primeiro trem. Tomaram café da manhã juntos, ele trouxe o pão da padaria que ainda mal abrira. Quentinhos, o pão, o café, as mãos entrelaçadas. 

Pouco se falaram, parecia que a falta de tempo, o cansaço, a saudade impediram todo o resto. Apenas se olharam, assim, de mãos dadas, braços estendidos através da pequena mesa branca de fórmica. Não puderam demorar-se mais. Já à porta, um beijo rápido, intenso. Um beijo de saudade, de paixão, resignação e revolta, hora do adeus, hora de perder um amor para o mundo. 

Já no trem, apertada entre centenas de outras almas vendidas à vida pra levar, lembrou-se, hoje fazia três anos que se conheceram. O trem seguia rápido rumo ao Centro, devorando cenários de uma periferia sem sonhos, casebres de zinco, muros sujos, terrenos baldios e córregos esquecidos – mau cheiro. 

Adoraria poder ir ao cinema com ele naquele dia.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Amanhecer (Bríggida Lourenço, 18/06/12)*

Pela Janela (15/06/12)

Poderia falar aqui de meus problemas, sobre meu dia, minhas noites sem sono
pensando em você, na chuva que não para de bater em minha janela...
Mas não posso, não posso citar teu nome,
Você não gostaria. Você teme muitos sons.
Você teme que outras pessoas ouçam seu nome... Saindo de minha boca.
Algo mais intimista... E a chuva insistente.
Não quero falar... Quero sossego.

Não direi, talvez nunca o diga, nem no vem e nem no vai.
Agora me lasquei. Já é tarde para tudo isso. Sinto falta do cheiro do café.
Fios de cabelos caem, é preciso dormir, isso me incomoda... O cheiro da chuva e não do café.
Se eu fosse eu, amanheceria outra.
Sussurrei que sim, agoniada... Vou dormir.
Falta o som, da chuva, da música, do riso... Falta sono.
Falta sorte? Ou falta amor?

* Fonte: AQUI

Nota: Bríggida Lourenço, professora da Universidade Estadual da Paraíba, escreveu esse texto na noite do dia 18/06/12. Foi assassinada pelo ex-companheiro em sua própria casa na manhã do dia 19/06/12.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Em um abraço

Josef Kunstmann

Pensou mais uma vez em dizer-lhe tudo no momento em que se abraçavam apertado. Mais um daqueles encontros imprevistos. 
Novamente, todos os segundos nos quais seus braços apertavam firmes um ao outro, remetiam aos tantos anos de cumplicidade, risadas, dores e, por fim, distância. Pouco tempo para sentir seu coração pulsando por cada ano que estiveram juntos, as batidas aceleradas pelos segundos ali, de volta ao peito um do outro. 
Casa pode ser o sinônimo de lugar onde se pode sonhar, mesmo que o sonho tenha passado, compartilhá-lo é um abrigo. Estacionamento lotado do shopping. Seguiram então, sorrisos no rostos, cada um para seu carro.
Tinham que partir. Quando se veriam novamente? 
A única resposta para eles é que amanhã seria outra segunda feira.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Woody Allen Pode Esperar



Acordou de ressaca em pleno meio da semana. Caminhou cambaleante até o banheiro e fixou-se em sua própria imagem no espelho, com pouco gosto, diga-se de passagem. Alguns urgentes goles d’água da torneira e o esforço seguinte de apertar a pasta na escova de dente. Pensou em quanto deveria estar péssimo, pois, por dentro, sentia-se a própria soma de todas as promessas de melhoras de si mesmo quebradas – pra toda a eternidade.
 
Manhã alta já. Artista em crise criativa de si mesmo tentava elaborar com muito esforço um roteiro mínimo dos eventos ocorridos na noite, madrugada, começo de manhã passados. As pistas do que havia ocorrido estavam espalhadas em sua cabeça assim como pelos lados no quarto, via agora, sandálias, uma meia calça, calcinha – tipo shortinho, por sinal, um indicativo de originalidade em meio a um mundo de fios dentais sem identidade -, e, finalmente, ela, sobre a cama!

A desorientação cedeu instantaneamente a uma recuperação de flashes e recortes de falas, movimentos, gestos e... sons. A novata do setor jurídico! Dormia ainda da forma que bem lhe cabia, esparramada feito uma gata mesmo que era, a cama mal lhe cabia. Parecia muito bem, dormia como se estivesse em casa.

“Nossa, aquelas caipiroskas e o papo sobre Woody Allen ontem à noite...”. “Ela não gosta de Wood Allen!!! Não pode estar certo”.

Nesse momento, ela começou a se mexer e fazer menção de acordar. Ele voltou correndo para a junto da gata manhosa estirada na cama. Woody Allen fica pra hora do café mais tarde. 

Bem mais tarde.