quinta-feira, 30 de maio de 2013

Olhos de Viagem

Cartier Bresson (1969)
Sentaram-se próximos no mesmo café algumas vezes. Não parecia nunca passar muito tempo sem que a visse naquela mesa do canto - Curiosamente, sempre desocupada pra ela.
Reparou-a logo nas primeiras vezes, morena, cabelos compridos, gestos contidos, mãos finas, olhos que não estavam ali, nem em nenhum lugar, mas além. Além dos quadros de postais em molduras marrom na parede: Caminito, La Moneda, Abbey Road e outros lugares menos comentados mais ao Oriente.
Em silêncio seu olhar parecia assistir o ir e vir dos passantes em cada frame de uma realidade para a qual ela gostaria de se transportar naquele instante. Seu silêncio e solidão descreviam mais um postal: vestido branco curto, sandálias baixas, pouca ou nenhuma maquiagem.
Nunca parecia triste, nem tão pouco alegre, mas sim em trânsito, em um tipo de suspensão do tempo que a fazia de outro momento. Descrevia um movimento delicado no espaço ao verter o último gole da xícara.
Um dia no qual ela deixou o café, quem sabe para que destino, quisera desejar-lhe uma “boa viagem” - Sequer chegara a dar um “até logo”, no máximo a olhou mais demoradamente enquanto ela cruzava a porta. Até um dia que percebera que ela não mais retornara. A mesa do canto há muito era ocupada por pessoas sem viagem nos olhos.

Meses depois o proprietário fixou mais um quadro na parede. Podia jurar que na foto a moça morena está sentada num banco de praça em Barcelona. O olhar dela em trânsito, mesma paisagem em seu destino: a de seguir pra fora de tudo.

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