terça-feira, 28 de outubro de 2014

Comemoração (conto)

Foto: Antonio Lacerda / EFE
A praça estava lotada de bandeiras vermelhas. Todas as pessoas ansiosas pelo início da apuração. Ele chegou cedo, ainda com um pouco de sol da tarde. Andou um pouco pra lá e pra cá, não viu ninguém conhecido, pensou que talvez seus amigos tivessem ido para outro lugar acompanhar a contagem. Era mais um talvez naquele dia incerto. Ninguém lhe ligou. Nada de mensagens. 

Comprou uma cerveja e sentou-se no banquinho da praça, ao lado do quiosque. Chamou-lhe a atenção uma moça bonita que ia e vinha. Inquieta, grande sorriso, sabe lá de onde vinha e para onde ia. O tempo passou a apuração seguia, o voto a voto apertado extraia dos rostos uma expressão de quase desespero. Acompanhava pelo telão o desenrolar dos números.

Displicentemente olhou para o lado e viu a mesma garota de algumas horas atrás. Cabelo castanho escuro profundo, discreta franja. A longa tattoo de finos traços orientais no braço contrastava com a pele branca e os pelos escuros. Mesmo diante da preocupação do momento, o sorriso dela parecia maior, realçado pelo batom vermelho.

Vê-la retirou-o instantaneamente de sua quase letargia depois de tantas cervejas. Ela segurava uma grande bandeira vermelha. Também o olhou. Falou-lhe algo sobre os números do escrutínio, ele concordou. Trocaram mais algumas opiniões rápidas sobre qualquer coisa. Súbito, no telão surge o resultado final. A explosão de alegria da vitória mescla-se com gritos e uma vertiginosa antecipação do carnaval. Eles também pularam. Abraçaram-se e pularam mais. A bandeira dela foi ao chão e eles se beijaram. Demoradamente, exorcizando todas as angustias.

Com a cidade ainda adormecida, viram as primeiras luzes da manhã deitados de mãos dadas no gramado da praça. Ela pegou o primeiro ônibus. Ele seguiu a pé. Prometeram-se rever. Tudo tinha um clima de primeiro dia. O cheiro dela no seu braço. Era ano-novo outra vez.

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