terça-feira, 26 de maio de 2015

Por um Triz

Rachael
Essa semana quis escrever algo para você. Por pouco não te liguei. Por um triz não mandei uma mensagem. Dias depois só podia ver pernas, suor, as costas que não as suas. Quer saber, meu bem? Lembrei de suas pernas e de seu inconfundível cheiro agridoce misturado com perfume, quase disse seu nome por engano algumas vezes, pensei ter passado disso. Ontem tomei uma cerveja interminável em sua causa. Na volta a pé, alta madrugada, parei frente a um prédio que imaginei ser o seu, absurdamente bêbado, toquei o interfone e fugi de forma desembestada. Tropecei num meio fio perto da esquina e abri a testa. Impressionante como você ainda faz meu sangue jorrar. Ao longe jurava ouvir sua risada. 

terça-feira, 19 de maio de 2015

A Casa dos Azulejos Amarelos (conto)


Meu bem, ontem te vi em meu sonho. Incrível como tudo parece tão real quando tu apareces. Ao mesmo tempo, tudo é diferente. Dizem que não sonhamos com cores, mas sempre te sonhei colorido. Dessa vez te vi numa casa de azulejos amarelos. Fascinante como os sonhos nos pregam peças. Na infância havia uma casa de azulejos amarelos na minha rua, tinha uma varanda ampla com uma garagem cuja entrada tinha um arco suave apoiado nas extremidades por meia-colunas em espiral, ao lado da varanda uma ampla janela com cortinas brancas. Me mudei dessa vizinhança muito cedo e não tive chance de entrar nessa casa, sequer cheguei a conhecer seus moradores. Mas nunca a esqueci, embora não me lembre de ter parado em algum momento da vida para lembrá-la. Até agora. Nessa sua nova casa do sonho você me abria os braços, o sorriso e através da cortina branca eu podia ver a rua e um céu azul profundo e intenso, justamente na hora mágica. O mais estranho do sonho, meu bem, é que ao me virar novamente, não lhe via mais. Parecia nunca ter estado lá. E a casa amarela era apenas a casa da minha infância, e, voltando apressada para a janela, pude ver a mim mesma quando criança, olhando na direção da janela na qual estava.

Paula Tesser - Luz Interior (Valha - 2013)

TESSER


sábado, 9 de maio de 2015

Um Segredo

"Vestiram suas roupas devagar"

Vestiram suas roupas devagar, de vez em quando ela olhava para ele sorrateiramente, de forma moleca, de um jeito que só essa noite ela o fizera. Ele não tirava os olhos dela, não conseguiria nem que tentasse. O banal da vida que se desenrolava parecia ganhar contornos surreais, nenhum cataclismo anunciado, um desvairo apenas. O maior deles, o definitivo e o mais passageiro. Ela tinha aquele jeito jovial, o seu sorriso o desarmava de toda sua seriedade, os movimentos dela tinham uma graça que o fazia pensar estar em um filme qualquer que vira há muito tempo, um o qual não lembrava o nome. Olhando aquelas ancas, suas tattoos e a marca esmaecida do biquíni, claro que não lembraria de filme nenhum. Sobretudo enquanto ela sussurrava o nome dele soprando leve dentro da orelha e seus pelos arrepiavam. Sem pressa dirigiram-se para a porta. Mesmo sabendo quase nada um do outro, agora dividiam um segredo que dissolvia as grades da jaula que prendia a vida.