quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Tudo Que Conseguia Lembrar (conto)

Hugues Erre

No dia no qual que ela se sentiu mais só, todas as verdades que trazia consigo no peito se esvaiam em lágrimas discretas. No final da tarde, tentou voltar para casa e não conseguiu. Depois de alguns momentos de hesitação na portaria de seu prédio, seguiu adiante. Passou em frente a padaria, depois ao posto de gasolina, deteve-se na floricultura, onde lhe ofereceram algumas margaridas. Declinou da oferta. Um breve e forçado sorriso e continuou. Ao passar em frente a livraria quis tomar um café, mas sabia que não o faria sem um cigarro, mais um, foram tantos durante essa tarde. Melhor não. Quatro quadras a frente o bar estava abrindo. Foi a primeira cliente, mesa de frente para porta, primeira bebida e direito de escolher a primeira música do dia. 

Algum tempo e várias doses depois, ao decidir voltar para casa encontrou a luz da cozinha acesa e uma carta sobre a mesa. Ele não voltaria. Despiu-se, deu comida ao gato que faminto entrelaçava-se às suas pernas, pegou uma cerveja e afundou-se no sofá. Tentou lembrar de todas as formas o que dera errado, mas só conseguia lembrar de quando vira o sorriso dele pela primeira vez e de quando tudo parecia para sempre, até aquele momento, em que seu gato já andando sobre seu peito, lhe reclamava um afago.

2 comentários:

  1. O sofrer humano dolorosamente é poesia, Dave.
    No fim, todos nós somos como o gato.
    O conto se findou; as imagens ficaram. Parabéns.

    Abraço

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  2. Pois é, Jonatas.
    O gato pode representar a própria vida que passa.
    Naquele momento, apenas seu afago reclamado apontava para além das imagens.

    Obrigado pela leitura,

    Abraços,

    Dave.

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