terça-feira, 12 de abril de 2016

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Orvalho Sobre Flores de Pedra

Lisette Model On Fifth Avenue. New York City. 1940s

Andou pelas ruas do Centro como há muito não o fazia. O movimento rude de antigamente lhe fazia bem, cheiro de diesel, suor. Sons do trânsito e as cores dos velhos prédios que apenas intuía, pois, envolta em seu particular daltonismo.

Há tempos que nos levam para longe, para o lugar onde o esquecimento é máxima lembrança inscrita na pele, como no relance do sonho logo depois de acordar, a imagem da pracinha do bairro, nas horas mortas das tardes de domingo – nada menos distante, nada mais vazio.

O castigo da lembrança se esvaia pelo movimento, sabia disso. Por isso naquele dia desceu de seu prédio, abandonou seu carro, faltou o trabalho e andou até lhe doerem os pés. Não tinha porquês na caminhada, não havia nenhuma meta, e aquela avenida extensa lhe servia muito bem, a impressão que não haveria fim lhe era conveniente.

Encostou-se numa sombra de marquise, pediu um cigarro a um estranho. Riu de uma piada sem graça. Tragou lentamente, quase se esquecera porque parara de fumar, quase já não lembrava porque mudara tanto.

Definitivamente, algo lhe dizia para não seguir.

Não continuou.

No dia seguinte partiu para ser ela mesma. No final, as dores de amor se esvaem pelo caminho, pensou. 

Como orvalho sobre flores de pedra, em poemas dos outros.