Evening at the window - Chagall |
Sua vida estava em obras, como também sua casa, como seu quarto que já não reconhecia, onde já não tinha paz. Já há tanto tempo, muitas semanas, meses até aqui. Nunca vira tanta coisa, nem tantos fora do lugar, ela mesma, naquele momento, onde estava e pra onde iria? Tinha mergulhado severamente em todas essas coisas que a vida obriga a fazer, seu trabalho realizado de forma diligente, sem faltas, indo pra longe sempre que preciso, se ausentando ainda mais de si, se desdobrando entre algumas decepções e o alento de pequenas fugas pra seus sonhos mais improváveis. Neste curto espaço de tempo vira suas últimas fichas se perderem num jogo que sequer entendia as regras. Não percebera que a rodada havia terminado quando ainda era o mais simples começo de tudo. Era injusto, o ano mal começara. Nessa noite tentava não pensar, era uma sexta à noite, hora de dar alegria pra alma, de receber cócegas no coração, sorrir. Parou de se importar com o recente isolamento dessa situação esdrúxula, sem ninguém, sem dinheiro e no lugar errado, longe dos seus sonhos. Olhou em volta no que restava em mínima ordem no caos de seu quarto. Vira os livros que ganhara de presente um dia desses e perderam-se entre tantos compromissos vãos. Tomou um deles, se aninhou na varanda e abriu uma cerveja, afinal, era sexta à noite... Logo na retomada das primeiras páginas, um sorriso se desenhou discreto em seu rosto, reencontrara algo de si abandonado, sabia lá quando. Queria dividir aquilo, não sabia como, mas talvez soubesse com quem. E publicou um beijo no céu.