sábado, 15 de agosto de 2020

Ainda Que Pela Última Vez

         Fonte: AQUI


Depois de tanto tempo ela agora conseguia ver sua vida de forma muito mais clara. Hoje ela tinha uma perspectiva dos acasos, erros, acertos, medos presentes em todos aqueles momentos.

 

As mudanças forçadas, as reviravoltas em seus antigos e tão caros objetivos de vida. Nada mais daquilo fazia sentido em seu novo caminho. 

A vida era algo que se refizera mil vezes à sua frente e ela mal teve tempo de entender como tudo se passou, tão rápido, anos pareciam semanas agora.

 

Ela era outra, apesar de suas entranhas se revolverem silenciosamente como antes e pelos mesmos motivos do passado.

Só ela o sabia e guardava esse segredo para si. Não podia dividi-lo, ou porque não se importariam ou porque a vida varrera tudo para a sarjeta do esquecimento.

Pedia gentileza para consigo mesma enquanto se encontrava com suas memórias em desassossego.

 

Perdera sua família, seu trabalho a cansava e se afastara de sua cidade. A rigor, pouco do que vivera ali merecia ser lembrado e cada nó desse fio a trazia para o vazio onde estava agora.

Olhou o telefone por vários minutos, ligou para ele.

Perguntou-lhe qualquer coisa sobre sua vida apenas para ouvir três ou quatro palavras que sabia que ele diria.

A quinta, inesperada, foi "sim".

 

Rodoviária. Pegou um ônibus naquela mesma noite.

Na manhã seguinte, ainda cedo, trocaram um beijo com gosto de café.

Os mesmos cheiros de tanto tempo atrás.


A vida precisava de calma, mesmo que breve, improvável.


Ainda que pela última vez.

 

Cidade do México,

Quarentena,

14/08/2020

My Blueberry Nights - Ely Nevada