sábado, 20 de outubro de 2012

Estava Longe



Fazia muitos meses que ela o deixara. Ou se deixaram, já era difícil saber agora, talvez impossível, talvez desnecessário tentar saber. Pensou: “Drogas, ainda mais agora, por que essa chuva? Por que minhas roupas e pele até a alma?”. Mas se algo à toa, porque ainda ficava com os olhos rasos d’água quando lembrava? A sensação de perda e o vazio que dizem seguir esses momentos definitivos eram pouco para exprimir um único momento de sua respiração acelerada, no segundo quando se lembrou dela, em meio aquele temporal.

Encontrou refúgio em bar pediu uma cachaça e um cigarro. Há muitos anos não fumava, desde as brincadeiras de juventude, das noites de sarro, nas quais encontrar o amor era um jogo onde as promessas de aventura diziam muito mais do que os riscos de quedas absurdas e cortes abissais que a vida real costuma trazer pra quem se lança.

Tomou a cachaça como se tomasse o ar que lhe faltara aos pulmões. Tragou aquele cigarro como que para recuperar o chão que desparecera sob seus pés. A garganta queimando lhe lembrou de que estava vivo, embora custasse a acreditar que ela ainda o estivesse depois de tudo que havia feito para esquecê-la. Suas tentativas alucinadas de se autodestruir, redundavam num sentimento perverso de encontro com o mais intimo detalhe que ainda não havia conseguido remontar, a mais remota e quase inventada charada, que o derradeiro sorriso que ela lhe dera a tanto tempo poderia trazer consigo.

Não podia matá-la em sua memória. Prometeu-lhe fazê-lo para ter paz, ela seguia cada vez mais viva dentro dele, emergindo a cada chuva, crescendo pelas paredes úmidas de sua alma alquebrada como um fungo, tingido de um verde turvo como um musgo escuro sua alegria perdida.

Pediu mais uma dose. Apagou o cigarro na própria mão. A dor o acordou pra rua, pra ausência definitiva, pra hora de voltar pra casa.

Estava longe, amanhecia.

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