sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Estranhezas (conto)

Paul Almásy (1960)

No encontro que se seguiu ela começou a perceber que ele era um tipo estranho, assim como ela, assim como todo mundo. Mas a estranheza dele encantava-a cada vez mais. Devia ter-se levantando da mesa quando ele falou-lhe, em meio a um gole e outro de caipiroska, que havia mudado para um prédio novo e que ele se incomodava cada vez mais com os sons de conversas de vizinhos recém-chegados vindas do hall. Saber de suas presenças ali tão perto, do outro lado da fina lâmina de madeira da porta, causava a ele uma apreensão diante dos inevitáveis encontros dali pra frente. Ele seria obrigado a falar e ser agradável. Não que quisesse ser desagradável com ninguém, mas não queria precisar ser nada em relação a ninguém que não conhecesse bem.

Ele era um tipo dos mais estranhos, mas ao invés de traçar uma rota de fuga, ela preferiu ficar, queria saber onde aquilo ia chegar. Na verdade ela não era assim tão aberta para o mundo quanto parecia, sua abertura e simpatia era o resultado de um bem elaborado roteiro que tentava seguir a risca, um desempenho em busca de continuo aperfeiçoamento. Poucos acreditariam se confessasse isso. Ele mesmo demorou a acreditar. Mas aceitou, afinal, se reconheceu nos sintomas.

Ele também era portador de uma falha em sua abertura social, Disse-lhe que ficava rubro com frequência quando descoberto em pleno ato de representar a si mesmo. Ela pensou, “ele era uma graça tentando fazer um tipo blasé ou descolado”, até conseguia. E ela ria ainda mais. Riram os dois.

Brindaram. Ela tomou sua vodka com gelo e limão. Ele pensou sobre isso depois e achou que era uma forma de promoção pessoal dela, mas deixou pra lá, achou-a algo destemida por isso. Concluiu que se era parte da cena criada para o momento, funcionou. Tocaram as mãos sobre a mesa, primeiro a ponta dos dedos, depois as entrelaçaram. O beijo que trocaram em seguida teve gosto de vodka, limão, chiclete de canela e do cigarro que ela fumava.

Foram pra casa dele e nenhum dos dois se importou pela manhã com os sons de conversa que vinham das escadas enquanto os vizinhos saiam para o trabalho ou para levar as crianças à escola. Nesse dia eles faltaram ao trabalho. Passaram a noite explorando suas estranhezas. Pelos menos seus corpos já não eram assim tão estranhos.

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