Fazia muitos meses que ela o deixara. Ou se
deixaram, já era difícil saber agora, talvez impossível, talvez desnecessário tentar
saber. Pensou: “Drogas, ainda mais agora, por que essa chuva? Por que minhas
roupas e pele até a alma?”. Mas se algo à toa, porque ainda ficava com os olhos
rasos d’água quando lembrava? A sensação de perda e o vazio que dizem seguir
esses momentos definitivos eram pouco para exprimir um único momento de sua
respiração acelerada, no segundo quando se lembrou dela, em meio aquele
temporal.
Encontrou refúgio em bar pediu uma cachaça e um
cigarro. Há muitos anos não fumava, desde as brincadeiras de juventude, das
noites de sarro, nas quais encontrar o amor era um jogo onde as promessas de
aventura diziam muito mais do que os riscos de quedas absurdas e cortes
abissais que a vida real costuma trazer pra quem se lança.
Tomou a cachaça como se tomasse o ar que lhe faltara
aos pulmões. Tragou aquele cigarro como que para recuperar o chão que
desparecera sob seus pés. A garganta queimando lhe lembrou de que estava vivo,
embora custasse a acreditar que ela ainda o estivesse depois de tudo que havia
feito para esquecê-la. Suas tentativas alucinadas de se autodestruir,
redundavam num sentimento perverso de encontro com o mais intimo detalhe que
ainda não havia conseguido remontar, a mais remota e quase inventada charada,
que o derradeiro sorriso que ela lhe dera a tanto tempo poderia trazer consigo.
Não podia matá-la em sua memória. Prometeu-lhe
fazê-lo para ter paz, ela seguia cada vez mais viva dentro dele, emergindo a
cada chuva, crescendo pelas paredes úmidas de sua alma alquebrada como um
fungo, tingido de um verde turvo como um musgo escuro sua alegria perdida.
Pediu mais uma dose. Apagou o cigarro na própria
mão. A dor o acordou pra rua, pra ausência definitiva, pra hora de voltar pra
casa.
Estava longe, amanhecia.