segunda-feira, 28 de julho de 2014

Vangelis - One More Kiss, Dear

"Until tomorrow, goodbye..."

Rachel (Sean Young) - Blade Runner (1982)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Talvez Só Cansaço

Ela chegara tarde do trabalho nesta sexta feira. O pequeno apartamento alugado ainda tinha a sala tomada por caixas da mudança já não tão recente. Não que fosse rica, sequer tivesse sonhado com isso na vida, mas pela primeira vez morava perto da praia, da pontinha de sua janela dava para ver um pouquinho do mar a apenas algumas quadras. Em direção à cozinha, passou entre algumas caixas de livros e umas de não-sei-que-lá que talvez fossem de roupas, Leopoldo, o gato abandonado pelo ex namorado, quase a derruba em sua ânsia pela comida da noite. 

Banho frio. Ainda não instalara o chuveiro elétrico, por isso, maldizia-se da preguiça, falta de tempo e ou da falta de saco pra falar com estranhos, um eletricista que viesse resolver a tal coisa. Deixou os pesados óculos sobre a mesa, não precisaria mais deles hoje. Chá verde a mão, alguns biscoitos integrais, sentou no velho sofá laranja devidamente coberto com uma pesada manta e se pôs a pensar na vida. Leopoldo já saciado, agora insistia em passar entre sua cabeça e a parede por trás do sofá. 

Estava muito cansada hoje, pensara em chorar na volta pra casa, não sabia bem o porque. Talvez saudade de algum plano esquecido, de alguma coisa boa do tempo com o ex-namorado, talvez a demora em encontrar outra pessoa, ou, estivesse aprendendo a ser feliz com sua própria nova vida. Sempre desconfiara da felicidade. 

Ela se deu conta que hoje um velho amigo do trabalho parecia flertar com ela. Ele lhe sorrira algumas vezes mais ao falar sobre suas impressões do último filme que falava, óbvio, de amores que acabam e outros que começam do nada. O rapaz de barba rala e óculos, sempre tão gentil. Pensou: Essa bagunça uma hora passa. Convenceu-se que nesse momento só estava cansada. 

Permitiu-se e chorou baixinho. 

domingo, 13 de julho de 2014

A Sorte Conta Muito



“A sorte conta muito”, lera em uma crônica ao final daquela Copa do Mundo.
Alguns dias depois, tarde da noite à meia luz do abajur, se perdera em um instante em que via o fracasso do favorito na Copa como um paralelo do que passava nos últimos tempos. Em outro momento não distante voltara a fumar, coisa que sempre fizera sem jeito, como um eterno iniciante, as escondidas de si mesmo. A garganta seca de nicotina, um copo de vodka, nada no estéreo. Não via motivos pra mover-se até o toca discos e colocar as mesmas músicas que falavam sobre ela. As que restaram depois que ela se foi.

Deitado sobre o assoalho do velho apartamento, a vida sob esta perspectiva era em preto, branco e cinza que se insinuava nos contornos dos móveis, do quadro no chão ainda esperando pra pendurar, dos jarros vazios nas quais as samambaias e suculentas feneciam sem água. “Se não fosse aquela bola que explodiu no travessão na prorrogação”, “se não tivesse entrado aquele maldito zagueiro reserva que marcaria o gol que lhe arrancariam o título”. Lembrou o quanto ela odiava metáforas futebolísticas. Gargalhou pra dentro. Deu um trago no cigarro. Engasgou.

Outro gole de vodka. Bebera mais de meia garrafa desde que começara a olhar as polaroides de quando estavam juntos. Gostava em especial daquelas sacanas, as mesmas que, numa noite, ela pediu para ele que tirasse. Estavam em um quarto de pousada numa praia distante, em uma das primeiras vezes que viajaram juntos.

Nua, fazia poses sobre a cama, sem nenhum pudor, algo entre moleca e a seriedade das mais frias modelos. Fitava-lhe profundamente. Seus olhos intensamente negros, cabelos lisos, franja, compunham sua nouvelle vague particular. Instante infinito congelado no contraste noir dos seus pelos escuros sobre a pele inacreditavelmente branca de sua pélvis. Suas pernas abertas eram o lugar no qual ele tinha o mundo pra si. O sítio no qual durante tanto tempo pensou que nunca chegaria. Chegara. E o tempo e as trapaças da vida encarregaram de levar.

Hoje ouvira de alguém que ela estava viajando, não sabia ao certo por onde. Seguira resoluta seu rumo, aquele mesmo, que um dia confessou para ele na cama antes de adormecer... E ele não quis entender. Parecia-lhe que ela hoje já não estava com ninguém, o que parecia não fazer-lhe a menor diferença. Até escrevera para ele. No verso de um selfie de polaroide disse: “Querido, vi muita coisa que gostaria imensamente ter podido compartilhar contigo, hoje as coisas estão mais claras, vejo o mundo sob as cores de uma tarde mágica, nada parece mais ter fim! Um dia talvez eu volte pra te contar. Fique bem. Com carinho. A. K.”.


Mais um gole. Hora de fechar a caixa de fotos. Não contara com a sorte, como o goleiro daquela seleção que levou o gol da eliminação das oitavas de final na prorrogação. Os primeiros movimentos da rua se faziam ouvir. Logo mais tinha que ir trabalhar. Dormiu com a foto dela sob o travesseiro.