domingo, 13 de julho de 2014

A Sorte Conta Muito



“A sorte conta muito”, lera em uma crônica ao final daquela Copa do Mundo.
Alguns dias depois, tarde da noite à meia luz do abajur, se perdera em um instante em que via o fracasso do favorito na Copa como um paralelo do que passava nos últimos tempos. Em outro momento não distante voltara a fumar, coisa que sempre fizera sem jeito, como um eterno iniciante, as escondidas de si mesmo. A garganta seca de nicotina, um copo de vodka, nada no estéreo. Não via motivos pra mover-se até o toca discos e colocar as mesmas músicas que falavam sobre ela. As que restaram depois que ela se foi.

Deitado sobre o assoalho do velho apartamento, a vida sob esta perspectiva era em preto, branco e cinza que se insinuava nos contornos dos móveis, do quadro no chão ainda esperando pra pendurar, dos jarros vazios nas quais as samambaias e suculentas feneciam sem água. “Se não fosse aquela bola que explodiu no travessão na prorrogação”, “se não tivesse entrado aquele maldito zagueiro reserva que marcaria o gol que lhe arrancariam o título”. Lembrou o quanto ela odiava metáforas futebolísticas. Gargalhou pra dentro. Deu um trago no cigarro. Engasgou.

Outro gole de vodka. Bebera mais de meia garrafa desde que começara a olhar as polaroides de quando estavam juntos. Gostava em especial daquelas sacanas, as mesmas que, numa noite, ela pediu para ele que tirasse. Estavam em um quarto de pousada numa praia distante, em uma das primeiras vezes que viajaram juntos.

Nua, fazia poses sobre a cama, sem nenhum pudor, algo entre moleca e a seriedade das mais frias modelos. Fitava-lhe profundamente. Seus olhos intensamente negros, cabelos lisos, franja, compunham sua nouvelle vague particular. Instante infinito congelado no contraste noir dos seus pelos escuros sobre a pele inacreditavelmente branca de sua pélvis. Suas pernas abertas eram o lugar no qual ele tinha o mundo pra si. O sítio no qual durante tanto tempo pensou que nunca chegaria. Chegara. E o tempo e as trapaças da vida encarregaram de levar.

Hoje ouvira de alguém que ela estava viajando, não sabia ao certo por onde. Seguira resoluta seu rumo, aquele mesmo, que um dia confessou para ele na cama antes de adormecer... E ele não quis entender. Parecia-lhe que ela hoje já não estava com ninguém, o que parecia não fazer-lhe a menor diferença. Até escrevera para ele. No verso de um selfie de polaroide disse: “Querido, vi muita coisa que gostaria imensamente ter podido compartilhar contigo, hoje as coisas estão mais claras, vejo o mundo sob as cores de uma tarde mágica, nada parece mais ter fim! Um dia talvez eu volte pra te contar. Fique bem. Com carinho. A. K.”.


Mais um gole. Hora de fechar a caixa de fotos. Não contara com a sorte, como o goleiro daquela seleção que levou o gol da eliminação das oitavas de final na prorrogação. Os primeiros movimentos da rua se faziam ouvir. Logo mais tinha que ir trabalhar. Dormiu com a foto dela sob o travesseiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário