Antônio LaCarne
Querida pessoa X,
Eu ainda tenho forças. Se eu pudesse, trataria de recompor as recompensas e te expulsar diretamente do meu círculo de obsessões. Cansei, por eternos momentos extremos, de me debruçar em mesas de bares, citar teu nome vão – aquele buraco cor de lodo que me engasga, mas que me fortaleceu com um pé na bunda quando precisei dar uma voltinha por cima.
Eu poderia ser mais uma dessas pessoas felizes – como o casal apaixonado da novela – com aquele brilho no olhar de quem se encanta com o mundo e sua fórmula de ups and downs. Mas é que a minha ousadia em ter me apaixonado por você me destruiu as pernas, o tato, e não consigo esboçar um sorriso diante das possibilidades. Tenho bebido demais, pensado em você nos instantes em que o happy hour com os amigos serviria de consolo e comunhão entre irmãos. Tenho exagerado nas guloseimas, e infelizmente adquiri um aumento de peso impróprio à minha estrutura de indivíduo calmo, discreto. Perdi o controle nessa insatisfação que é te enxergar em fotografias junto com aquele amor que te faz tão bem, enquanto me contento em ser expectador da tua vida e regurgitar a dor.
Inutilmente tenho culpado o destino por não saber controlar a raiva, e em revolta derrubei um jarro de flores num falso acidente doméstico. O tempo passou e continuo preso às correntes do abandono. Mas o desconforto se torna raro quando sei que o meu futuro depende de uma dose de sorte, pois já não sei o que esperar dos dias.
Penso em você ao inventar mentiras, ao responder que estou tão bem quanto o frescor dessa brisa que assanha nossos cabelos. O amor que se tornou uma lama imaginária presa à minha disponibilidade na noite, nos drinks que vêm e vão, na madrugada de volta pra casa quando converso com o taxista sobre a previsão do tempo.
Meses e meses, semanas com aquela puta dúvida de discar ou não o teu número para um simples oi de “vamos passar uma borracha sobre tudo isso”. O primeiro instante do dia ao abrir os olhos e enxergar no teto a imagem desenhada do teu corpo.
Mas ainda não encontrei uma cartada final para este lado b do amor e suas incógnitas. Talvez como exercício, eu esteja no caminho certo e decida traçar o primeiro passo de uma auto ajuda enviando esta carta pública para revistas de fino trato, assim como quem não quer nada, como quem quer tudo.
Y.
(Texto publicado no Don´t Touch My Moleskine)
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