quinta-feira, 31 de maio de 2012

Um Gole de Café



Naquela manhã fria acordara estranhamente feliz, sua completa ignorância sobre esse estado, só rivalizava agora com todas as formas de amor que achava ser capaz de sentir. As paredes não seguravam a ânsia de alguma coisa nova que se desenhava a sua revelia em passado-futuro de uma distância difusa, mas próximo ainda, talvez. As mortes, assassinatos e suicídios em massa perpetrados covardemente pelo seu coração silenciavam agora num único gole de café. Hesitara em colocar o pé na rua, chovia. Já fora apaixonado por chuvas, frio e melancolia. Hoje desconfiava mais da chuva: pessoas deixam de se ver e o cheiro do mar ficava mais longe, aprendera isso recentemente, sob a chuva. Resolveu escrever sobre outras coisas e ansiou grafitar desconexas palavras de amor em um quarto estranho, recém pintado, que nunca conheceria. Nessa inusitada sessão de mudez e fuga interior pensou por alguns segundos em qual música ela estaria ouvindo no momento que o seu celular tocasse. Saiu e foi olhar a chuva nos olhos. Não se tem notícia dele ter voltado. Nem que tenha feito a tal ligação.

31/05/12

terça-feira, 22 de maio de 2012

De Salas e Varandas Vazias: um registro



Depois que suas últimas caixas foram levadas para o carro de mudanças ele ficou um tempo parado à porta da saída, sozinho, observando a agora vazia sala de estar do seu antigo apartamento. Durante aqueles últimos anos vira sua vida sendo inscrita ali. E quase sem nenhum esforço, podia reviver cada primeira cena, como também cada última. 
Além da sala, sua visão percorria a varanda, a cozinha, o quarto. O silêncio e o vazio de agora não eram compatíveis com os sorrisos, amores, alegrias, esperanças, dores, tristezas, chegadas e partidas que se desdobraram entre aquelas paredes. 
Na varanda já não havia mais a redinha, da qual obervara as estrelas tantas vezes, em noites tais que o som do mar parecia reverberar dentro de casa. 
Na cozinha nenhum cheiro de um prato especial feito para cada ocasião única, sempre como ritual, no qual o sabor demarcaria as expectativas de prazer do que viria. 
O quarto já não trazia o estimulante frescor da aventura, do gozo, da descoberta e do sonho (mesmo os breves, os vãos e os desfeitos). O vazio e o silêncio de agora não faziam justiça a tudo que acontecera ali, a tudo que se perderá inexoravelmente frente ao futuro. 
Fechou a porta. Já no hall, resignado, parou por alguns segundos e pensou o quão impossível seria dividir tudo que pensara naquele breve momento. Quis ligar para alguém, mas seria inútil. Pensou em escrever algo, apenas para desistir imediatamente. Quis chorar e se sentiu incapaz. Fez a única coisa que podia frente a tudo aquilo, seguiu e tomou o elevador para a portaria. 
Aquele lugar já não mais lhe pertencia. 


21.05.12

terça-feira, 15 de maio de 2012

Lucas Santtana - Para Onde Irá Essa Noite?



Clipe novo de Lucas Santtana para a música "Para Onde Irá Essa Noite?", do álbum "O Deus Que Devasta Mas Também Cura" (2012). 
Outro grande acerto do diretor Emílio Domingos, o mesmo que assinou o clipe de "Cira, Regina e Nana" (veja aqui).
Arriscaria uma continuidade entre as duas estórias e das duas pegadas. Recortes breves da vida de qualquer um, de um momento desses que a maior delicadeza tem o peso de um planeta. 
Grande registro, sensível por demais.
Curtam! 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Entre as Ondas do Mar


Então ela desceu as pedras em direção à praia. Disse apenas que era hora, que voltaria naquele momento para seu mundo. Mais abaixo, as ondas quebravam e desenhavam inefáveis cortinas de fim de tarde no caminho que o olhar dela perseguia. O destino estava traçado, desde sempre, tudo aquilo estava pra acontecer, daquele único jeito. Trazia seu vestido de prata de finas contas transparentes, translucido, deixava antever seu corpo, pernas, peitos, ancas. Ultima visão que viraria memória pra sempre naquela urgente despedida de tão poucas linhas. Havia um mar infinito lá embaixo. Nesse fim de tarde o canto de Iemanjá se fazia ouvir límpido ao longe, as danças as quais não tive tempo de desfrutar ficarão para um dia de festa no futuro. A moça cruzou as pedras da barra e sumiu devagar em meio as ondas. Estava em casa.

sábado, 5 de maio de 2012

Micro Conto Lunar


 - Quero morar na luaaaaa! Disse a moça para ele (assim mesmo, com muito "a"s) e com um sorriso de orelha a orelha.
 - Pois venha! Respondeu a ela. 
Quando ele emendou
- Já estou aqui.
Dela nunca mais se soube. 
Um astrônomo sustenta, que pelo telescópio potente de Monte Palomar, viu alguém sentado em uma rocha na superfície cinza brilhante da última Lua cheia.
Ninguém deu crédito a ele. Teria sido São Jorge a ser avistado? Seria o rapaz? 
Onde estaria a moça?...
Hoje tem super Lua no céu. Todos olharão pra lá e poderão tirar suas próprias conclusões.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Longe do Mar

Perto do mar - Vancarder
Desde a última vez que a encontrara não podia deixar de pensar em suas ultimas palavras. Duas ou três coisas falavam de quatro ou mais vidas possíveis, um caleidoscópio onde ele se encontrava girando, colorido, como por efeito de sua presença. Totalmente imerso em sua presença. Depois de sua ida, aquelas coisas tomaram de assalto sua poesia, sua vida. Nessa ausência, sua imaginação se impregnou de sua cor, de seu cheiro, da forma que seu corpo desenhava recostado ao dele. Não sabia para onde ela ia, não quis perguntar, a mágica continuaria enquanto houvesse mistério e um motivo para um grande sorriso quando voltasse. Enquanto ele mesmo estivesse perdido. Depois que ela se foi, se deu conta, que quando estava feliz, sentia mais forte um cheiro de mar, quando por alguns instantes, se via na areia da praia, solto de tudo, preso a ela pela linha do horizonte...

terça-feira, 1 de maio de 2012