"Coffe and Cigarettes" (Jim Jarmush, 2003) |
Ligou para ela assim, de súbito. Nos segundos que
seguiram, enquanto ouvia o tom de chamada, pensava no tamanho da besteira que
fizera. Era tarde, ela atendeu. Novamente, aquele ansiado rouco “alô”. Seguiu em frente, depois da conversa sobre
como iam os pais, as plantas, os sobrinhos, o momento tão bem decorado durante
vários cafés, banhos e noites insones: precisava vê-la novamente. Outra pausa, pensar
sobre isso era uma aventura tortuosa, os dias já haviam se transformado em meses
a essa altura. Resistiu durante todo esse tempo, havia orgulho, uma ideia de
honra que ele tirara sabe-se lá de onde, certamente, de algum manual de
suicídio afetivo. Mas agora, tudo bem, ou pior, ela aceitara um encontro!
Tinha um tempo na agenda, aquele café discreto, meio
de tarde. Desligaram. No dia marcado, nada podia começar pior, ele pra variar,
atrasado, adquirira esse hábito (ao qual ele chamava de arte) há pouco tempo, o
tempo era o inimigo de uma guerra assimétrica, ele era o alvo, a minoria étnica
a ser extinta, nada havia de direitos humanos em seu favor.
Ela estava lá, seu vestido branco, com detalhes em
verde, pernas cruzadas. Segurava com delicadeza o cigarro em uma mão e com a
ponta do dedo médio da outra mão acariciava a asa da xícara de café. Seu rosto
estava plácido, distante... Seu tom blasé perturbou-o, não percebia mais os solavancos
do fim, nem traço dos abalos do final, nenhum holocausto residual em lugar
nenhum de sua face. Apesar de tudo, sua discrição, movimentos brandos, quase
coreografados com aquela bossa nova que saia do alto falante da parede ao lado,
o comovia.
Em meio a fumaça que subia lentamente, seus olhos
castanhos, lhe escreviam o seu próximo texto antes mesmo que seus lábios pronunciassem
algo. Depois de cumprimentá-la com um único e demorado beijo no rosto, atrapalhou-se
com as palavras, “típico” pensou, já soando frio. A conversa seguiu seu rumo
previsível, trabalhos, plantas, sobrinhos, casas, até o último Woody Allen. Três
ou quatro cafés, alguns cigarros, ela precisava sair, tinha dentista, ou alguma
coisa assim... Ele ficou, mais alguns cafés solitários, tinha tempo. Via na
fumaça dos cigarros alheios as voltas do cabelo dela. Algo havia mudando ali.
Depois de alguns momentos vendo os passantes que se
apressavam para o fim de tarde, lembrou-se do cheiro do perfume daquela garota
que conhecera recentemente. Amigos em comum, uma ou outra carona. Aquele cheiro!
Aquele mesmo que deixava seu carro tão feliz durante os dias que se seguiam
depois que ela aparecia. Pagou a conta e saiu, nesse fim de tarde pensou sobre
o sorriso da garota de perfume amadeirado, se veriam esse final de semana?
Tinha tempo, foi a um bar e pediu uma cerveja.
"Ligou para ela assim, de súbito. Nos segundos que seguiram, enquanto ouvia o tom de chamada, pensava no tamanho da besteira que fizera. [...] certamente,... algum manual de suicídio afetivo..."
ResponderExcluirFiquei pensando no que escrever por aqui... Acho que não será necessário... O Manual de suicídio afetivo trago sempre comigo "na bolsa"!!!
Ainda me deve um conto feliz Comandante!!! =D Adorei o conto!!! Faz não apenas imaginar, mas sentir os personagens, suas angustias, confusão, medo, insegurança e ESPERANÇA!!!
E mais que um conto, e um relato pessoal...te enxergo em cada momento da cena
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