sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O quão perdido é preciso estar para se achar


 
Descansou a taça de vinho sobre a mesa, levantou e foi até a varanda do hotel. Estava pra variar de passagem. Pensara durante o dia nas coincidências de traços, cores e estilos das cidades que visitava. Tudo se parecia, tudo tão igual enquanto tão diferente tão diferente como se tudo fosse a mesma coisa que nunca conseguiria conhecer. Era assim, olhava do oitavo andar, as ruas vazias do Centro sob um clima de alguns sugestivos 15 graus em pleno silêncio da madrugada. Mais vinho. 

Mais do que não sabia, mais da curiosidade do que pode haver no final daquela avenida. Pensou em ir até lá na manhã seguinte. Havia algo que o som desse silêncio de metrópole adormecida lhe trazia a mente: o quão perdido ficava quando viajava. Perdido de si, de sua vontade e de qualquer motivo pra fazer qualquer coisa, um não lugar de si mesmo. Como viajava só era preciso dialogar com algo, criar formas de compartilhar, fazia isso lembrando. Cada lugar cheiro e gosto sempre lhe falaram de algo de outro lugar, de outro tempo ou de alguém. 

Lembrava-se de coisas esquecidas e de umas tantas outras que abandonara. Projetos também. Lembrou outra experiência austral de uns anos atrás na qual ela lhe mandou uma mensagem rápida: “vi você em tudo” (mesmo eu não estando mais lá)... “Às vezes é solitário viver”, diz Caetano em “Nu com minha música”. A madrugada é doce, cortante quanto o vidro, o que se definiu não poder por decreto, esvai-se em cada “por que não?” desse Concha Y Toro. E segue Caetano:
“Nu com meu violão, madrugada
Nesse quarto de hotel
Logo mais sai o ônibus pela estrada, embaixo do céu
O estado de São Paulo é bonito
Penso em você e eu”

“Rapte-me Camaleoa”, venha aqui que esse frio, esse disco e essa sensação de nada saber é o mote pra ser feliz. Não deixe o vinho esperando. Venha encontrar algo perdido no novo dos cartões postais. Perder-se é sempre a melhor forma de achar-se. Perder-se é uma arte perdida, já disse Walter Benjamin.

Ps: Há mais uma garrafa na geladeira.

Um comentário:

  1. para mim, viajar só é alcançar mais ainda o desprendimento das coisas e sentimentos, é atingir o grau maior da compreensão do que deixei para trás, é lavagem de alma, é atingir a sensação de que tudo posso sem um outrem, é desmistificar sentidos e sensações. a-pro-vei-ta!!!! incorpora esse chile que tanto queremos um dia conquistar.

    ¡Salud!

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