terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Entre Postais e Perfumes de Viagem


O último envelope que ela lhe enviou trazia um perfume estranho, diferente de tudo que já tinha experimentado até então. Sim, mesmo quando não era sua intenção o papel sempre carregava algo dela consigo: uma amostra de ar, de pele, de espaço infinito, daquele abismo que olhava sem cansar, feito menino besta frente à porta do cinema na estreia da continuação daquela trilogia. 

Lembra que olhou com ansiedade e lentamente o envelope azul, tudo certo: letra, selo, carimbo... Internacional. Havia muito tempo que o silêncio tornara-se o único rastro de elo entre eles, o caminho labirinto onde ninguém mais conseguia se vir, por mais que se gritasse, por mais próximo que lá estivesse. Pausa. Veio-lhe a cabeça instantaneamente, uma sensação de estar num labirinto, parecendo com o sentimento de perda e a agonia da ausência, sem rumo somado à certeza absurda de que há algo por detrás dos muros de blocos escuros.

Voltou à carta. Abriu devagar o envelope. Dele se mostrou a mesma destrutiva caligrafia, bela como um cadafalso, dizendo aquelas coisas que ninguém mais precisa ouvir depois do tempo que tudo separa e tudo acalma. Preferira nunca ter aberto aquele postal com a imagem de singelos pubs sob a neve. Nevou em seu coração, mais uma vez.
Quase ouviu sua voz dizendo qualquer coisa doce em seu ouvido em meio a uma caneca e outra de cerveja escura e às densas colunas de fumo que descreviam voltas sinuosas até o teto. O texto dizia que estava em algum país distante, e perguntava como ele estava. Nessa hora, apenas o frio ficou. 

 Depois de uns dias entendeu o perfume que trazia o envelope. Chamava-se, distância, tempo, indiferença. O avesso de tudo que experimentaram. Ela, em algum lugar frio lhe mandando postais azuis sobre o nada que havia entre eles. Ele, criando um lar no qual seu coração descansa para o próximo momento quando não mais houver paz em sua vida.
Não lembra se guardou o postal. 

Em seguida, preparou um café, abriu seu e-mail, havia uma bela mensagem de alguém muito querido tambem comentando sobre uma viagem recente para um país próximo. O e-mail não trazia perfume nenhum, mas quase sentiu todos os aromas de tudo que ela lhe contava ter visto por lá. 

Sorriu pra si. 

Nessa noite, sonhou que o porvir tinha cor amarela e cheiro de café. Caia muito bem com as notas amadeiradas daquela morena.

Um comentário:

  1. Vavan,

    É a terceira vez que venho. Já havia lido, mas sem tempo para comentar. O texto lembra de uma música recente de Lirinha, aquele do Cordel do Fogo Encantado. A música é Noite Fria e deixo um trecho para você:

    Aqui de tão longe eu sinto
    A mesma distância de antes
    Cantar sobre as placas luzentes
    Viver nas tavernas de lama
    Olhando a rua vazia
    Pensando em mudar de casa
    O mesmo motivo
    A mesma incerteza
    A mesma melancolia

    Abraços,

    Dimas

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