terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Anotações Para Um Amor Que Se Retirou



Tinha escrito algo sobre ela num caderninho de notas já gasto, desses de arame, que se compra em armarinhos. Era apenas mais uma observação: como a amava depois de todos esses anos juntos. Feita despretensiosamente enquanto ela se arrumava antes de vir deitar-se. 

As frases no caderno não traziam nada de especial, nada que pudesse virar poema, prosa, filme. Apenas escrevia quatro ou cinco linhas sobre como era bom estar com ela, todos os dias, ao longo de tantos anos. Na última frase, lembra ainda quando se viram pela primeira vez, ela sentada, leve, linda e morena, alheia a tudo num banco do pátio da faculdade. 

Ela pediu-lhe para ler o caderno, ele disse que não, apenas no dia seguinte, era surpresa. E fechou-o. Ela veio até a cama, deitou-se, deu-lhe um beijo suave na boca e tratou de aninhar-se em seu peito, como sempre gostara de fazer e abrigar-se do friozinho da chuva que começara a cair forte lá fora. Dormiu instantaneamente. Na manhã seguinte comemorariam bodas de ouro. Não haveria festa, não tiveram filhos, mas sairiam para almoçar fora, pasta, como ela mais gostava. 

Amanheceu, a chuva parara, dia perfeito. Ele levantou-se cedo e, aproveitando-se que ela ainda dormia, preparou e trouxe-lhe o café na cama. Deu-lhe um beijo leve na testa. Não houve resposta. Ela deixara-o em algum momento da noite, assim, serenamente, como gostava de levar a vida. 

Enquanto as primeiras lágrimas corriam lentamente pelos seus olhos, pegou o caderninho sobre o criado mudo e leu para ela as últimas linhas de suas anotações sobre o seu amor, como era amá-la depois de todos esses anos...

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Ainda a Praia



Então, depois de muito tempo, do nada e a queima roupa, ela perguntou, como se previsse um próximo conto, "por que você não me levou naquela praia?". Ele respondeu em silêncio, pra si, "talvez a praia ainda não estivesse pronta pra eles". 
Mentira, sabia, a praia sempre estivera. Permaneceram em silêncio. 
Voltaram a falar dos casais que passavam de mãos dadas pelo calçadão naquele fim de tarde de verão.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

E Outro Fim de Festa

Frevo (Portinari, 1956)



Era fevereiro, bebê. 

Minha mão na sua mão pelas ladeiras, nós dois perdidos no calor que não se sabia mais vir de dentro, ou de fora, daquele Sol que cozinhava nossas moleiras. Derretidos em suor, quando seu perfume compunha com o frevo o refrão de que você me queria. 

Nem precisava mais fitar seus olhos, pois já me haviam sequestrado, depois de devidamente dissolvido pelos seus raios negros.  Bem na hora, hora exata que você me olhou daquele jeito e me beijou. 

O frevo entrou em nossas vidas pra sempre. E continuou tocando em minha cabeça, mesmo depois que lhe perdi de vista, na dobra de uma esquina qualquer, sei lá porque desses motivos que não importam, pouco antes do bloco parar de tocar. 

Era fim de mais um carnaval. Sentei-me na praça com uma última cerveja e me vi de repente com um sorriso bobo. Havia uma graça em ver as pessoas indo embora no carnaval. Nunca se sabe o que virá. Talvez você um dia leia isso, talvez um dia nos encontremos em outro carnaval. “Saudade”, lembrei-me, tava na letra daquele último frevo que ouvimos antes de você partir.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fevereiro, Novamente



Fevereiro novamente. Janela aberta, dava para ouvir o ensaio da bateria do bloco de maracatu que passava – O carnaval já estava à porta. Um ano atrás, esse mesmo calor, cheiro dos benjamins na calçada, uma noite parecida e eles foram à rua na hora que o bloco passou. Assim, pararam de fazer o tudo que os distanciavam de sorrir e se deixaram. Sorriram e dançaram, não havia mais nada para se importar. 

Cada rua séria ganhou um tom de alegria a cada volta que davam por um novo quarteirão. Hoje, essa euforia não apareceu. Não entendeu bem em que momento perderam-se nos rodopios de uma dessas cirandas da vida, ou em alguma esquina dos sentimentos que mudam o compasso. O bloco passava novamente, mas ela não estava lá, eles não estariam nunca mais. 

O carnaval era alegria, pois superação intensa de todas as tristezas, assim, como o branco é soma de todas as cores. Saiu de casa e seguiu o bloco outra vez. Nesse instante que sua vida era o branco impessoal dos dias pra levar, nada lhe caia melhor do que perder-se em todos os enredos imaginários que o samba operava em sua cabeça. 

Estava triste. 
Estava pronto para o carnaval.