segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Conto: A Garota da Imensidão Azul


Sábado à noite e ele resolveu sair. Já era tarde, depois de um dia longo e difícil precisava andar pelas ruas, sentir o frio no rosto, animar-se um pouco coma vista das pessoas envolvidas entre nuvens de fumo e cerveja em copos americanos. Sentar em alguns desses botecos de esquina e tomar algumas geladas ao som dos carros, buzinas impacientes de quem não se importa com a displicência boemia que anda a esmo pelo meio da rua às duas da manhã. Ter pra si um pouco dessa madrugada de berros e falta de medo de estar no mundo.

Entrou em um bar que não conhecia. Paredes vermelhas, mesas antigas, ficou no final do longo balcão, ao lado do dancing interessante, com um piso rebaixado, por trás de uma parede curva que lhe oferecia alguma reserva em relação aos olhares que vinham do saguão. Quase vazio, salvo por uma única garota que parecia ter se aventurado a seguir a música que ninguém mais conhecia ali.

A menina dançava sozinha, olhos fechados, jogando seus cabelos compridos para os lados. Longas tatuagens lhe subiam as costas nuas do vestido branco. Era iluminada por um azulado escuro brilhante, quase extraterrestre, com a luz negra do salão. Fartas sobrancelhas escuras. Peitos proeminentes, definitivos, daqueles que não se esquece nunca. E sua bunda e quadris faziam o movimento certo que ele precisava em sua poética desgarrada de inspiração.
A moça desenhava movimentos suaves repletos de impressionismo. Movia-se como em um ambiente sem gravidade, mergulhada na psicodelia da tristeza retrô que preenchia o ambiente. Flutuava hipnótica nesse seu universo interior, aquático. Repetia pra si mesma a letra minimalista que rolava nos alto-falantes, era possível ler nos seus lábios, inacreditavelmente rubros.

Um momento abriu os olhos e olhou exatamente para ele. Quatro ou cinco segundos entre um e outro movimento bastaram. Chamou-o para perto.

Ela era aquele algo que quebraria seu silêncio interior, que romperia bruscamente a voz em off que narrava sua maçante intolerância com quase tudo.
Desejava menos estar em mais um de seus frames do que apenas um passante descendo bêbado abraçado com ela uma rua de bares barulhentos pela madrugada, pronto para tropeçar em qualquer coisa que o destino lhes colocasse no caminho.

Viram o dia raiar juntos. Chamou-a pra si mesmo de "a garota da imensidão azul".

Não esqueceu mais seu perfume. 

Seu batom não largou mais da gola de sua camisa.

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