Sábado à noite e ele resolveu sair. Já era tarde,
depois de um dia longo e difícil precisava andar pelas ruas, sentir o frio no
rosto, animar-se um pouco coma vista das pessoas envolvidas entre nuvens de
fumo e cerveja em copos americanos. Sentar em alguns desses botecos de esquina
e tomar algumas geladas ao som dos carros, buzinas impacientes de quem não se
importa com a displicência boemia que anda a esmo pelo meio da rua às duas da
manhã. Ter pra si um pouco dessa madrugada de berros e falta de medo de estar
no mundo.
Entrou em um bar que não conhecia. Paredes
vermelhas, mesas antigas, ficou no final do longo balcão, ao lado do dancing interessante, com um piso
rebaixado, por trás de uma parede curva que lhe oferecia alguma reserva em relação
aos olhares que vinham do saguão. Quase vazio, salvo por uma única garota que parecia
ter se aventurado a seguir a música que ninguém mais conhecia ali.
A menina dançava sozinha, olhos fechados, jogando
seus cabelos compridos para os lados. Longas tatuagens lhe subiam as costas
nuas do vestido branco. Era iluminada por um azulado escuro brilhante, quase extraterrestre,
com a luz negra do salão. Fartas sobrancelhas escuras. Peitos proeminentes,
definitivos, daqueles que não se esquece nunca. E sua bunda e quadris faziam o
movimento certo que ele precisava em sua poética desgarrada de inspiração.
A moça desenhava movimentos suaves repletos de impressionismo.
Movia-se como em um ambiente sem gravidade, mergulhada na psicodelia da
tristeza retrô que preenchia o ambiente. Flutuava hipnótica nesse seu universo
interior, aquático. Repetia pra si mesma a letra minimalista que rolava nos
alto-falantes, era possível ler nos seus lábios, inacreditavelmente rubros.
Um momento abriu os olhos e olhou exatamente para ele.
Quatro ou cinco segundos entre um e outro movimento bastaram. Chamou-o para perto.
Ela era aquele algo que quebraria seu silêncio
interior, que romperia bruscamente a voz em off
que narrava sua maçante intolerância com quase tudo.
Desejava menos estar em mais um de seus frames do que apenas um passante
descendo bêbado abraçado com ela uma rua de bares barulhentos pela
madrugada, pronto para tropeçar em qualquer coisa que o destino lhes colocasse
no caminho.
Viram o dia raiar juntos. Chamou-a pra si mesmo de "a
garota da imensidão azul".
Não esqueceu mais seu perfume.
Seu batom não largou
mais da gola de sua camisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário