O último envelope que ela lhe enviou
trazia um perfume estranho, diferente de tudo que já tinha experimentado até
então. Sim, mesmo quando não era sua intenção o papel sempre carregava algo
dela consigo: uma amostra de ar, de pele, de espaço infinito, daquele abismo
que olhava sem cansar, feito menino besta frente à porta do cinema na estreia da
continuação daquela trilogia.
Lembra que olhou com ansiedade e
lentamente o envelope azul, tudo certo: letra, selo, carimbo... Internacional. Havia
muito tempo que o silêncio tornara-se o único rastro de elo entre eles, o
caminho labirinto onde ninguém mais conseguia se vir, por mais que se gritasse,
por mais próximo que lá estivesse. Pausa. Veio-lhe a cabeça instantaneamente, uma
sensação de estar num labirinto, parecendo com o sentimento de perda e a agonia
da ausência, sem rumo somado à certeza absurda de que há algo por detrás dos
muros de blocos escuros.
Voltou à carta. Abriu devagar o
envelope. Dele se mostrou a mesma destrutiva caligrafia, bela como um cadafalso,
dizendo aquelas coisas que ninguém mais precisa ouvir depois do tempo que tudo
separa e tudo acalma. Preferira nunca ter aberto aquele postal com a imagem de singelos
pubs sob a neve. Nevou em seu coração, mais uma vez.
Quase ouviu sua voz dizendo qualquer
coisa doce em seu ouvido em meio a uma caneca e outra de cerveja escura e às
densas colunas de fumo que descreviam voltas sinuosas até o teto. O texto dizia
que estava em algum país distante, e perguntava como ele estava. Nessa hora,
apenas o frio ficou.
Depois de uns dias entendeu o perfume que
trazia o envelope. Chamava-se, distância, tempo, indiferença. O avesso de tudo
que experimentaram. Ela, em algum lugar frio lhe mandando postais azuis sobre o
nada que havia entre eles. Ele, criando um lar no qual seu coração descansa
para o próximo momento quando não mais houver paz em sua vida.
Não lembra se guardou o postal.
Em seguida, preparou um café, abriu seu e-mail, havia uma
bela mensagem de alguém muito querido tambem comentando sobre uma viagem recente para
um país próximo. O e-mail não trazia perfume nenhum, mas quase sentiu todos os
aromas de tudo que ela lhe contava ter visto por lá.
Sorriu pra si.
Nessa noite, sonhou que o porvir tinha
cor amarela e cheiro de café. Caia muito bem com as notas amadeiradas daquela morena.