segunda-feira, 29 de abril de 2013

Bater a porta e sair

Edward Hopper - Nighthawks (1942)

Dentro de sua mente, ainda podia ouvir o som da porta ao bater daquela última vez. Daquele canto da sala de onde lhe parecera nunca mais sair, nada lhe era mais presente. Havia uma mudança lenta dos tons da parede à medida que o Sol era filtrado pelas cortinas claras, e as horas iam passando ao longo do dia. Cada detalhe daquele arranjo de flores sobre a mesa de centro fora cuidadosamente analisado sob aquele inusitado ângulo de observação no qual se encontrava agora.

Em certo instante, dentro de um looping eterno, entre o sorridente início de tudo e os fatos descontrolados que os levaram até o momento da contagem das hastes de margaridas sobre a mesinha de centro, houve a consciência que já se passavam pelo menos 12 horas que não pronunciava palavra. Nem consigo, muito menos com ninguém. Pensara isso ao olhar a xícara de café, ainda pela metade, sobre a mesma mesa de centro e que esfriara tanto tempo atrás – Percebeu seus lábios secos, colados, sedentos de saliva que os tirasse da prisão do silêncio. Parecia que daquela vez em diante nunca mais haveria diálogo, aparentemente, mesmo os monólogos haviam sido encerrados.

Noite. Súbito, levantou-se. Cuidou minimamente da aparência de cansaço. Lançou-se à rua. Minutos depois trocava ideias sobre a vida com o simpático senhor que atendia no antigo Café da esquina, do amargor da frustração à insistência que algo maravilhoso pode estar sempre pra acontecer. Passavam os anos e seu José continuava infalível em acompanhar histórias dos outros. Alguns cafés e pães de queijo depois – mal se dera conta o quanto estava com fome - aquela seria sua vez de bater a porta e sair pra vida.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Dársena Sur - Juan Carlos Cárceres

"...Otra mañana en Buenos Aires
me tomo un cafecito
y vamos viejo
a laburar.

Tal vez mañana, en Buenos Aires,
yo, cierro la valija.
Me subo a un barco
y nunca más."


domingo, 14 de abril de 2013

E alguns fios castanhos pelo chão

Hugues Erre (fonte aqui: Obvious)

Ele pra variar, não sabia para onde ir. Ela ali a sua frente naquela tarde de céu azul profundo. Entre um toque de leve de mãos, um sorriso e um instantâneo de destino em forma de sonhos, emergiam as escolhas irresistíveis: ficar ou seguir. Das bocas nenhum argumento lhes convencia, não havia nenhum fato que se opusesse às cores do silêncio enquanto se olhavam.

Se havia algum fato inescapável era o de que ela estava lá. Agora, à sua frente, atrás, aos lados, em cima e abaixo de onde o pensamento podia – Ela já estava. Cheia de praia e sol nos olhos e de brilho de toda à tarde. E ele lá esperando pelo beijo dela.

Ela, onde não se sabia, distante das velhas certezas, desmontando devagar os segredos de cada ruga no rosto dele, decifrando os códigos secretos que se pretendiam tão bem guardados nos seus rastros de cabelos brancos.

Deram-se conta que não sabiam para onde ir. Riram e continuaram.

No dia seguinte, restaram alguns fios de longos cabelos castanhos pelo chão.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Antes que o amor acabe


Havia muita música no ar naquele dia. Nada poderia ser mais festivo do que um sábado no qual o samba tomava conta da cidade e a alegria dava o ar da graça, prometendo que tudo podia ser mais feliz. O enredo, claro, não seria outro, garoto que encontra garota, conversas sobre música e o povo que passava. Risadas na cara da vida. 

Como num drible sagaz e curto de Romário na pequena área, aquele canto de calçada havia se teletransportado para um universo paralelo. E num passe de mágica, gol! Dos alto falantes da rua, ouvia-se Chico Buarque: “Hoje, pena seria esperar em vão/ eu já tenho uma morena/ eu já tenho um violão/ se o violão insistir, na certa/ a morena ainda vem dançar/ a roda fica aberta/ e a banda vai passar”. 

Noite alta, o samba só crescia, dava para pensar em quantas melodias se podia desdobrar um único encontro. Quando suas mãos se tocaram, enquanto ela olhava através dos olhos dele, mais uma vez, parecia que Chico estava passando com a banda: “Eu quero cantar o amor/ antes que o amor acabe”.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O Telefone Não Tocava



Hoje ela acordou cansada, pra variar. É sexta feira. Súbito, pulou da cama, não fazia mais diferença o transcorrer da semana e a mudança dos dias – uma, duas, três, 50 coisas pra fazer além do que sua razão podia aceitar. Não havia nenhuma festa em estar numa sexta, nada mudava no céu, ou na sua cabeça. O telefone não tocava.

Correu e pôs o café pra passar, enquanto se apressava no banho. Logo, muito cedo, deveria estar em mais um compromisso, longe, de si, do seu sonho, de uma vida que pensou ser diferente depois que tudo tivesse mudado. As coisas mudaram, ela também e tudo ficou assim, a repetição do dia, frente a uma opaca linha de chegada que nada trazia além da certeza que o tempo passa.

Tomou um gole de café, não comeu pão – se achava acima do peso – e projetou-se hall a fora para pegar o elevador. Amanhã é sábado, talvez se esqueça de lembrar que seu telefone poderia tocar.