terça-feira, 26 de novembro de 2013

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Via Expressa para o Futuro


A moça levou consigo poucas lembranças quando cruzou a soleira da porta. Deu seus primeiros passos pela rua já em outro mundo, numa terra distante, onde não fazia mais diferença se haviam tido tempo de dar adeus. Pouco mudava a ordem das coisas as horas que passaram conversando sobre como consertar o que não podiam falar. 

Olhava para os edifícios daquele país estranho e via uma terra desconjuntada, fora de ordem, na qual seus passos não faziam eco e as pessoas só se amavam em filmes antigos. Sentiu saudades, de verdade, pela primeira vez muitos anos depois, já estava enraizada, misturava-se à geografia de um lugar na qual ela estava colada às paredes como cartazes de propaganda. Sentiu falta de uma fala de sorrisos, que mesmo sem contar o que sentia, falava do gesto mínimo que seus olhos faziam ao acordar. 

Quis um café com cuscuz, daqueles que nunca encontraria em meio a tantas vias expressas para o futuro.

sábado, 2 de novembro de 2013

Toda poesia é falsa

Edward hopper - Sunlights in Cafeteria

Sábado, fim de tarde morno. Cidade estranha, escala numa viagem de trabalho.  Nada pra fazer, ninguém pra ligar, canso do barulho monótono do ventilador de teto. Melhor ir para o Centro ver as pessoas.
Paro em um café antigo, hora de brincar o velho jogo de adivinhar roteiros possíveis dos passantes. Imaginar destinos pros que ficam às mesas. Tentar acertar o motivo pelo qual o jovem casal discute efusivamente. Fantasiar o que me diria a garota de profundos olhos negros – olhar distante, chuvoso, desses que induzem poemas de despedidas a cada piscada – caso sentasse aqui comigo.
Ela lê um livro de poesias. Uma coletânea de capa dura, marrom e amarela, bastante surrada. Talvez vindo de algum dos sebos que vi no caminho, quem sabe, comprado nesse mesmo dia.
Ela se levanta, paga a conta e desaparece rua abaixo. Pude ver de relance o nome do autor: Dave Bowman.
Levanto-me também e procuro num sebo vizinho o tal livro. Encontro-o numa edição mais atual, abro-o no primeiro poema:

Deite seu peso em meu colo
Fique comigo
Experimente de perto meu desespero
Tente ver por dentro dessa escuridão
Seu cheiro tem algo de medo
Seu medo, algo de você
Ainda lembro
Agarro-me a isso
Com a força de uma relutância infinita
Não posso dizer-lhe mais nenhuma verdade
Talvez só reste uma
Só a dor é real
E toda poesia é falsa

Dessa forma inusitada aquela garota de inalcançáveis olhos de melancolia me fez saber : “Só a dor é real, e toda poesia é falsa”.
Volto para o hotel.
Noite, 27º.