Edward hopper - Sunlights in Cafeteria |
Sábado, fim de tarde morno. Cidade estranha, escala
numa viagem de trabalho. Nada pra fazer,
ninguém pra ligar, canso do barulho monótono do ventilador de teto. Melhor ir
para o Centro ver as pessoas.
Paro em um café antigo, hora de brincar o velho jogo
de adivinhar roteiros possíveis dos passantes. Imaginar destinos pros que ficam
às mesas. Tentar acertar o motivo pelo qual o jovem casal discute efusivamente.
Fantasiar o que me diria a garota de profundos olhos negros – olhar distante,
chuvoso, desses que induzem poemas de despedidas a cada piscada – caso sentasse
aqui comigo.
Ela lê um livro de poesias. Uma coletânea de capa
dura, marrom e amarela, bastante surrada. Talvez vindo de algum dos sebos que
vi no caminho, quem sabe, comprado nesse mesmo dia.
Ela se levanta, paga a conta e desaparece rua
abaixo. Pude ver de relance o nome do autor: Dave Bowman.
Levanto-me também e procuro num sebo vizinho o tal
livro. Encontro-o numa edição mais atual, abro-o no primeiro poema:
Deite seu peso em meu colo
Fique comigo
Experimente de perto meu desespero
Tente ver por dentro dessa escuridão
Seu cheiro tem algo de medo
Seu medo, algo de você
Ainda lembro
Agarro-me a isso
Com a força de uma relutância infinita
Não posso dizer-lhe mais nenhuma
verdade
Talvez só reste uma
Só a dor é real
E toda poesia é falsa
Dessa forma inusitada aquela garota de inalcançáveis
olhos de melancolia me fez saber : “Só a dor é real, e toda poesia é falsa”.
Volto para o hotel.
Noite, 27º.
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