segunda-feira, 26 de maio de 2014

Algo Sobre o Amor Antes do Amanhecer

Richard Tuschman, sobre as solidões de Edward Hopper.
Olhou para o lado e ela estava lá, encolhida, braço sob a cabeça. Como um bebê que crescera demais e enrolava-se em si mesma, misturava-se com o travesseiro, cabelos soltos, nua, lençol no chão. Ele virou-se pro lado oposto, incomodado por toda a luz do mundo que vinha da janela aberta lhe cegando os olhos cansados tão cedo da manhã.

Dormira pouco. Até a pouco repetiram o ritual de confrontarem suas indisposições mútuas, suas necessidades incompreensíveis e sensibilidades afetadas pelas dores que ultrapassavam as cada vez maiores fissuras de suas vidas naquele momento. Fragmentos de frases grudaram em sua mente, sabia ter dito pra ela que não poderia mais haver amor entre eles. Ao que ela retrucou não ser o problema, ele não poderia amar ninguém, nem mesmo a si, por não conseguir ter alguma generosidade consigo mesmo.

A partir desse momento dois monólogos sobre a solidão que se constituía há tempos entre ambos começou a desenrolar: dele, a falta de generosidade para consigo, dela, o sentimento que se esvaia numa distância que se materializava como um salto de um trapézio absurdo entre eles, sem rede de proteção. O teatro de falas exaltadas intercalados por silêncios corrosivos durou toda a madrugada. Sabiam que o fim estava logo ali. Desistiram enfim. Ela foi para o quarto, ele para o sofá. Passados alguns minutos ela o chamou para cama. Sem cerimônia, ele ascendeu. Não mais se falaram, adormeceram vencidos pelo excesso de adrenalina.

Agora, com toda atenção na própria respiração para não acordá-la, tentava juntar em sua cabeça as peças de suas vidas largadas nessa confusão de distâncias. Sem aviso, ela mudou de posição na cama, virou-se para o lado dele, passou o braço ao redor do seu pescoço e aninhou-se ali, bem perto de sua orelha.


Ele emudeceu a respiração e os pensamentos, Abraçou-a ternamente e voltou a dormir. 

O inevitável ficaria pra mais tarde.

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