Bill Brandt |
Naquela madrugada andava devagar pelas ruas estreitas
da cidade baixa, quase se arrastava. Os pés moviam-se sem vontade enquanto
buscava apoio nas paredes. Sua mão seguia os contornos, reentrâncias e
saliências das paredes cheias de musgo e umidade. Estas lhe diziam do asco que
algumas situações podiam lhe causar. Esse era um daqueles dias que se repetiam
a tanto tempo, de nojo do mundo, da perda da fé que pouco tivera, e da limitante
incapacidade de aceitar a realidade. Dia de lembrar-se da injuria, infâmia,
injustiça, medo. Da vontade de esquecer que seu espírito estava quebrado, sua vontade agora dormitava
um sono eterno, sua alma vagava.
Sentou-se no meio fio, a chuva caia através de si,
isso já não lhe trazia surpresa. Fazia três meses ou três anos que estivera ali
pela última vez? Não fazia diferença, as coisas não mudavam, como sempre, as
ruas estavam desertas, os carros não passavam, ninguém nas janelas, ninguém a
via. Ninguém a vista. Seu coração, se tivesse, estaria lhe falando baixinho de
beijos e entrelaçar de mãos, toques inesquecíveis, descobertas improváveis, de
esperanças e alegrias sem fim, coisas de muitos dias (anos?) atrás. Sussurrando:
“Onde estariam todas as coisas boas do mundo?”.
Naquele momento perto da madrugada permitiu-se,
cansada, deitar seu corpo sob uma marquise. Não conseguia mais
lembrar quem era ou que lhe fazia pensar sobre todas aquelas coisas, buscava
algo que não podia entender num mundo deserto que parecia dormir só para ela,
queria de novo seu sorriso de volta, sem ao menos entender aonde teria ido.
Logo depois de adormecer novamente, desapareceu no
ar, misturou-se outra vez a falta de sentido que os sonhos trazem consigo
quando se tornam pesadelos, e com as estórias secretas que os corações escondem
pra sempre quando partem e viram lenda num outro mundo qualquer onde o amor se
retirou sem deixar pistas de si.
a melancolia da madrugada é uma arma sedutora pra falar daqueles sentimentos mais abissais... Ela seduz sem nem fazer esforço!
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