O jeito daquelas moças todas no bar, seus movimentos
rápidos, sorrisos abertos em uma alegria intempestuosa, dessas que enfrentam o
futuro como se esse tivesse a simplicidade de um passado bem resolvido, não
contido, na vontade de continuar a colecionar o novo. Ele, recém-chegado,
desses rapazes de poucos amigos, do tipo que costumam cruzar as ruas do centro
na noite de sábado só pra saber o que tem de legal (ou que deixava de
acontecer) no boteco da próxima quadra. E então parou ali, na porta larga
daquele boteco antigo, cujo dono resolvera mudar toda a cara do lugar. De
alguma forma dera certo, casa lotada. Nova roupagem do espaço, novas cores,
luzes e gente, sobretudo agora, com aquelas meninas de riso fácil, pele
brilhante e olhares de desafio. Parou um pouco, iria entrar, precisava de uma
cerveja, precisa de uma cerveja urgente, e daquele lugar. Ele, como quase todo
mundo que deslizava por aquelas ladeiras nesses dias estrelados (e lotados) de
verão, não tinha nada de impressionante, sua fisionomia e roupas o confundiam
com qualquer um daqueles moços que perambulavam buscando qualquer diversão,
além do tédio das coisas pra fazer que a semana maldosamente lhe destinara.
Numa dessas mesas animadas de gente fagueira, cruzou
com um olhar antigo, desses que guardam segredos de certo momento da vida, que
serão encobertos propositalmente por muitas camadas de novas sensações,
desejos, desapego, covardia, coragem e, porque não, amor. Não acreditava no que
via: não ela, não ali. Havia pensado muitos anos no quanto esse olhar o
comovia, revoltava, cativava... Destruía-lhe. A separação deles havia sido um
desses marcos definitivos, desses marcados em carne, na qual a injustiça do
tempo se tornava mais evidente ao não querer respeitar nada, nem a idade, nem o
frescor das expectativas juvenis, dos planos e conquistas inacreditáveis até
aquele então. Já não reconhecia ninguém que a acompanhava, nem o cara de meia
idade com jeito de professor de filosofia, nem a mulher descolada... Artista
plástica? Nem os outros, leves demais para ele, para o peso de uma juventude
malhada por responsabilidades em uma rotina estoica de fuga diária pra qualquer
coisa que não permitisse pensar o devaneio. Sua única exceção, as noites de
sexta. O ato de sair do trabalho para as
ruas movimentadas da noite que caia, o seduzia para sonhos dolentes e
emudecidos há muito tempo.
Aquele encontro na verdade era a história do
reencontro de dois olhares que não se podiam mais. Naquela noite uma verdade
qualquer da qual ninguém mais falava, nem tão pouco precisava, refletiu-se
naqueles olhos castanhos, parou o tempo, cravou-lhe as unhas compridas no
peito, marcou-lhe o coração com aquele batom vermelho, daquele carmim sanguíneo
belo, mortal como uma flor roubada na saída do colégio. Aquele olhar! Como a
cena “daquele filme” do Wood Allen que ela tanto gostava. Nada daquilo estava
no seu roteiro, nada daquilo deveria acontecer, um dos dois poderia estar
vivendo sua vida longe, numa dimensão paralela, onde ninguém precisasse lembrar
que existia algo como a paixão.
Daquele final
sem final, no qual um rápido cruzar de olhares e um meio sorriso foram toda a
história de fato que ainda poderia acontecer entre eles. Restou-lhe a sensação
que a vida era breve como um conto curto, assim como ela sempre achou que
fosse, quando, nesse momento, ele estivesse mais propenso a pensar a vida como
a sucessão de capítulos, uma novela, na qual viveríamos as idiossincrasias de
um roteiro que muda o tempo todo, assim, até o fim.
Recuou, não tomou sua cerveja. Não ali, não naquele
bar... Havia um outro na quadra seguinte o qual o dono ainda não reformara...
seus olhares poderiam esperar pelo próximo reencontro, a cerveja não.
Esse título?
ResponderExcluirDepois comentamos esse texto, se não vc vai falar que esqueci alguma coisa...
Você esquecerá, tenho certeza...
ExcluirMe ganhou para além do carmim marcando peito e presença...
ResponderExcluirO carmim marcado é apenas espaçoporto, o que não é pouco, pois o peito aprende contigo a sorrir um céu estrelado!
ExcluirEu poderia jurar de pés juntos que vi tudo isso...
ResponderExcluirE eu já pensando com seria ver isso que tu estás pensando... como um filme também. Apareça.
ExcluirDave Bowman há tempos não viajava num desses teus intensos contos!
ResponderExcluirCompreendo que vi igualmente pela leitura.