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Richard Tuschman, sobre as solidões de Edward Hopper. |
Olhou para o lado e ela estava lá, encolhida, braço sob a cabeça. Como um bebê que crescera demais e enrolava-se
em si mesma, misturava-se com o travesseiro, cabelos soltos, nua, lençol no
chão. Ele virou-se pro lado oposto, incomodado por toda a luz do mundo que vinha
da janela aberta lhe cegando os olhos cansados tão cedo da manhã.
Dormira pouco. Até a pouco repetiram o ritual de
confrontarem suas indisposições mútuas, suas necessidades incompreensíveis e sensibilidades
afetadas pelas dores que ultrapassavam as cada vez maiores fissuras de suas
vidas naquele momento. Fragmentos de frases grudaram em sua mente, sabia ter
dito pra ela que não poderia mais haver amor entre eles. Ao que ela retrucou
não ser o problema, ele não poderia amar ninguém, nem mesmo a si, por não
conseguir ter alguma generosidade consigo mesmo.
A partir desse momento dois monólogos sobre a
solidão que se constituía há tempos entre ambos começou a desenrolar: dele, a falta
de generosidade para consigo, dela, o sentimento que se esvaia numa
distância que se materializava como um salto de um trapézio absurdo entre eles, sem
rede de proteção. O teatro de falas exaltadas intercalados por silêncios
corrosivos durou toda a madrugada. Sabiam que o fim estava logo ali. Desistiram
enfim. Ela foi para o quarto, ele para o sofá. Passados alguns minutos ela o
chamou para cama. Sem cerimônia, ele ascendeu. Não mais se falaram, adormeceram
vencidos pelo excesso de adrenalina.
Agora, com toda atenção na própria respiração para
não acordá-la, tentava juntar em sua cabeça as peças de suas vidas largadas
nessa confusão de distâncias. Sem aviso, ela mudou de posição na cama, virou-se para o
lado dele, passou o braço ao redor do seu pescoço e aninhou-se ali, bem perto
de sua orelha.
Ele emudeceu a respiração e os pensamentos,
Abraçou-a ternamente e voltou a dormir.
O inevitável ficaria pra mais tarde.