terça-feira, 31 de julho de 2012

Vésperas de Aniversário

Gustav Klimt
Foi difícil voltar aquela casa depois de tantos dias. A porta fechada, grade, cadeados, as plantas do lado de fora... um pedido água dolente, como o dele. No hall, frente a frente com o número do apartamento na parede, hora de virar a chave, fazer funcionar aquele velho som de abertura, o molho de chaves barulhento, o chaveiro com um cãozinho basset de madeira e de grande a abaulado nariz preto batendo insistente na porta a cada volta, fazendo vibrar todo o metal. Abrir aquela o porta o envolveu numa máquina do tempo instantânea, o cheiro das coias deixadas ali, esperando por um tempo que não passaria mais. Cada coisa deixada sobre cada canto, os cantos dos quais nunca mais sairiam da memória dele. Sofá, cortinas, a mesa. O tapete em frente à TV, já não voava. As roupas espalhadas sobre a cama, diziam de alguma desordem no mundo, algo irrecuperável, caótico, no mínimo detalhe, de que não deveriam estar ali. Seus passos erravam lentos entre cada cômodo, cada metro era traduzido em sua mente por longas lacunas de sentido, perguntas sem resposta sobre o porquê das coisas, sobre a forma como o nada podia se manifestar de forma tão imperativa, assim, de onde nunca se esperaria. Tentava responder pra si mesmo o que buscava naquele momento, o que teria ainda para encontrar. Pensava nas velhas questões, impasses e pequenas aflições de outrora. Dedicava-se em pensar, como que enganando a urgência de se manter lúcido diante da tragédia, como as idas e vindas da vida pareciam marolas desde que ela saíra de sua vida. Era véspera de seu aniversário, isso não costuma ser fácil pra ninguém. Um mês atrás era o dela. As pessoas costumam não gostar das vésperas de seus aniversários. Não costumava dar bola pra esse tipo de pensamento. Mas os últimos anos não foram particularmente amistosos com ele. Perdeu pessoas preciosas, não soube gerir crises e pensou seriamente na sua capacidade de gerenciar as demandas da vida. Aniversários definitivamente não traziam boas novas, não pra ele, um fim disso, um final daquilo, um adeus praquilo outro. Só a saudade e outros sentimentos confusos continuavam como ecos de explosões colossais, big bangs originais nos quais as pessoas se perderam em meio as mais vorazes torrentes de demandas que o fluxo randômico desse "tudoemquanto" pode produzir. Sentou-se no sofá, ao olhar pra samambaia morta na varanda viu um pequeno pé de alguma erva daninha que crescia apesar da desolação, não lhe veio nenhuma metáfora besta sobre a vida que continua à sua mente. Pensou apenas no quanto a má sorte, a maldade, e o que é mais vil nas pessoas pode apagar o que é belo, pra sempre. Pensou novamente no seu aniversário, em algum filme de Wood Allen, no box que não ganharia e no aniversário de Chico Buarque. Não havia mais o que pensar. Levantou-se e caminhou para a porta. Não conseguiu olhar pra trás nesse momento, mesmo fingindo toda força do mundo. Seus olhos traziam as mais sinceras e duradouras lágrimas que alguém podia verter. Precisa de uma cerveja, de música e de alguém que lhe sorrisse ainda. Precisava encontrar vida onde quer que fosse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário