Nunca mais ninguém havia tido notícias dela.
Naquela noite iria encontrá-la. Temia ser a última
vez, adiantara pra si mesmo o roteiro, não devia fazê-lo, não mais, mas fazia
naquele momento o spoiler de sua própria vida. Bem, ela disse que iria ao seu
encontro, não sem alguma resistência, pôde senti-la naquele cacoete que ela
sempre teve em momentos de relutância. De alguma forma precisavam se ver mais uma
vez, por isso interpretou o terceiro suspiro dela como parecendo ser um sim
para aquela pergunta a qual ele não tinha coragem de fazer... (as reticências
persistirão. Antes eram PS’s, mas isso foi há muito tempo)
Pensara por um lapso, enquanto o silêncio marcou o
tempo do mundo: “melhor deixar tudo pra lá, nada mais há pra ser dito, os
melhores dias se foram, o que há hoje já não diz quase nada sobre o que fomos”.
Certa vez, num boteco barato perto do centro ao qual costumavam ir, ela lhe
disse: “nunca entendi bem como nos encontramos, nunca fui muito de pensar
nessas coisas. E hoje, nessa noite, nesse bar fuleiro, me pego pensando sobre o
futuro. Não sei se gosto, futuro nunca entrou em meus pensamentos". E
concluiu: “não sei se devo agradecer isso a você, provavelmente não (silêncio),
pois te amo”. A angústia o tomou de assalto depois do beijo que se seguiu.
Despertara um monstro de duzentas cabeças que nunca dormira no interior dela.
Pensava agora como num moto continuo: “o que fiz? O que fiz? O que fiz?...”,
Mas isso foi há muitos meses. essa noite, seria diferente, o futuro chegara, as
coisas mudaram, o cotidiano pode ser muito cruel com os sonhos, só perde pro
absurdo, em poder de desmontar felicidades.
Chegado o momento do encontro, ela, pra variar atrasada
(muito). O mesmo boteco mofado, ela fez questão de que fosse lá, depois dele
ter dito que tanto fazia o lugar. À porta do bar, a imagem daquela mulher
linda, parada por um instante enquanto tentava localizá-lo entre as poucas
pessoas que estavam lá, parecia ser a medida do frame que gostaria de levar pra
sempre se o mundo tivesse que acabar ali. Vestia aquele vestido de tons
verde(azul?)-piscina, com cara de domingo de sol, aquele mesmo que um dia
disse-lhe toda feliz que havia comprado em um brechó que vira do ônibus outro
dia. Sorriu e veio sentar-se. O sorriso veio fácil, era automático, nada
parecia mudar, apesar de tudo que tanto mudara. A velha junkbox , fiel, tocava
os embalos cafonas os quais ela amava. Ele, metido a seletivo (um tanto esnobe
e aristocrata firme em sua crença no seu pseudotalento em escolher bem). A
cerveja quase nunca estava gelada, mas mesmo assim ele sempre insistia. Ela
pediu uma cachaça e limão. Sua cara. Fazia muito bem a cena de virar o primeiro
trago sem fazer caretas. Ele nunca conseguira. Mas pedira uma dose também,
antes da cerveja. Depois que ele fez sua tradicional careta, ela riu:
“menininha”, disse.
“E então, como vão as coisas?”, ela perguntou
direto, mais do que ele poderia se enganar achando que ela não o faria.
“Conte-me as novidades”, completou. Ah como desejara profundamente que ela não
repetisse aquela pergunta. “Ok, tudo andando”, respondeu ele sem muita
convicção. E vieram as perguntas de praxe: “então como está o gato, as plantas
sua casa? E sua Mãe, Dª Fulana vai bem?”. Por que ela fazia aquilo, pensava
ele, o que ela fazia ali, por que com ele? Por que tão linda, sempre? Claro que
o que queria ouvir nunca mais sairia da boca dela, ou não, era
contraditoriamente otimista às vezes. Então disse a ele que não poderia se
demorar ainda tinha outro compromisso. Ele não precisava de legendas, não mais,
sabia a algum tempo do que se tratava a velha história, mas antes do final
daquela dose de cana e da cerveja, tudo podia esperar ficar pra depois, pra lá,
além do que não precisava ser dito ali. Seus olhares tentavam ao máximo não se
cruzar, enquanto era melhor inventar qualquer assunto urgentemente para não ter
que encarar o inescapável. Escaparam, o tempo passou, a cana e a cerveja se
foram dos copos.
Ela levantou-se, apenas depois que a última música
tocou, abraçou-o forte, “a gente se vê” disse-lhe baixinho ao ouvido naquela
despedida. Nunca mais a veria. Não sabia exatamente o que havia ficado daquilo
tudo, o que havia acontecido estava longe de qualquer explicação. O que deixara
de ser também, por absoluta falta de parâmetros pra imaginar. Pôde virar todas
as cervejas quentes naquele bar antes de voltar pra casa, vacilante, pelas
ladeiras escuras do centro. O que poderia ter sido é o eco insistente das coisas
que não deveriam nunca ser lembradas. Não conseguiu chegar a casa, foi visto
pela última vez dormindo em banco de praça. Depois, sumiu no ar, como fumaça,
quando a última Lua também desapareceu do céu.
Agora era dele de quem nunca mais teriam notícias...
Interesse é o significado do "a gente se vê...". O que está dito ali é exatamente o oposto da manifestação literal. É como na frase de despedida de um casal, quando um diz pro outro: "Se cuida". A frase é incompleta. O que está dito, na verdade, é "se cuida, porque eu não vou mais cuidar de você, então, daqui pra frente, se vira sozinho".
ResponderExcluirExcelente texto e agora ficou curioso por saber notícias.
Dimas Lins
"Se cuida" é tão cruel quanto "a gente se vê". Pior apenas a situação onde rever, sob qualquer circunstância, é impossível. Dai sumir tudo, desde as notícias às pessoas, e um mundo inteiro tal como se conhecia. Abraço, VanVan.
ExcluirSinceramente, não fiquei matutando sobre a crônica não. Ative-me mais a ter gostado da personagem ter preferido a caninha, a velha branquinha e estou aqui a me perguntar: "Qdo. será q o Van vai publicar o livro de crônicas/poesias dele?" E me peguei cogitando... "Ah, não vou querer ser somente a convidada, quero participar da estrutura disso."
ResponderExcluirNão vou mentir...
Estamos juntos e misturados na estrutura, Quel! Bjão =*
Excluir"Vestia aquele vestido de tons verde(azul?)-piscina"
ResponderExcluir"Ah como desejara profundamente que ela não repetisse aquela pergunta."
Como vou deixar de me meter nesses contos, cooomo?
Os tons me escapam facilmente e as perguntas me perseguem rsrs
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