Van |
"DAVE BOWMAN: You see, something's going to happen. You must leave. HEYWOOD FLOYD: What? What's going to happen? DAVE BOWMAN: Something wonderful" (2010: The Year We Make Contact)
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Apocalypse Now (Coppola - 1979) - Abertura
Um quarto de hotel, The Doors-The End, Martin Sheen, napalm, Bells UH 1, cartas, fotos, espera, ansiedade, memória, kung fu, insanidade...
Willard: Saigon... shit; I'm still only in Saigon... Every time I think I'm gonna wake up back in the jungle.
Willard: When I was home after my first tour, it was worse.
Willard: I'd wake up and there'd be nothing. I hardly said a word to my wife, until I said "yes" to a divorce. When I was here, I wanted to be there; when I was there, all I could think of was getting back into the jungle. I'm here a week now... waiting for a mission... getting softer. Every minute I stay in this room, I get weaker, and every minute Charlie squats in the bush, he gets stronger. Each time I looked around the walls moved in a little tighter.
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quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Fim (2006) - Miguel Torres (curta metragem)
Baseado na obra "O Estrangeiro" de Albert Camus.
E quem não se sente um estrangeiro?...
Inquietante é uma boa definição.
E quem não se sente um estrangeiro?...
Inquietante é uma boa definição.
Sobre mudanças e lembranças (por Briggida Lourenço)
"Os espaços que ocupamos, por onde passamos ou que em algum
momento pretendemos ocupar, mesmo que de forma passageira, nos deixam marcas,
boas ou não, mas compõem nossa identidade...E viva ao próximo passo, viva aos
velhos e novos momentos, viva a vida que passou, que vivemos e tudo o mais que
ela trará. As lembranças você levará para sempre, independente de onde estará.
Todos nós levaremos boas lembranças, pois, são as que valem a pena serem
lembradas".
Briggida Lourenço
23/05/12
"Saudades Também"
Cartier Bresson |
Acordou-se de súbito, sentou-se na beira da cama e
olhou vazio para a janela. Passou as mãos pela testa, o suor escorria sobre
seus olhos, ardia o sal. O calor daquela madrugada desestimulava qualquer
menção a retomada do sono. Quase quatro da manhã, pensava: “era pra correr
alguma brisa”. Janelas plenamente escancaradas, o ar condicionado quebrado, o
ventilador parecia inútil adereço, cúmplice daquele suplício. Não conseguiu
encontrar o relógio. Estirou a mão para o criado mudo e tocou o maço vazio de
cigarros, só então se deu conta do fato de que ela o havia deixado há algumas
horas atrás, e por obra de alguma forma de cansaço extremo, um tipo de torpor, que
causara uma suspensão dos sentidos e das sinapses, conseguiu não lembrar-se por
alguns instantes de algo tão grave. Voltou-se imediatamente para trás. Fato, ela não estava mais lá, lado esquerdo da
cama vazio. Espaço vazio e lençóis desarrumados, o cheiro dela ainda
marcava-lhe as narinas, única presença residual naquelas fronhas. Pensou na
efemeridade daquele registro: horas? Dias? Quanto tempo durará ali sua presença
última, a latência de sua presença irrealizável, ida negada na impressão que
sua mão ainda carregava aquele perfume de lavanda, perfume de homem, como ela
gostava. Voltou o olhar para o lado da porta, tantas idas e vindas até aqui,
terá sido a última vez? Seus pensamentos iam e vinham realizando loopings
infinitos em formato de oito, do jeito que ela lhe explicara um dia, a forma
como funcionavam os “ritornellos” da vida. Tivera medo de dizer-lhe te amo,
medo que sua coragem súbita parecesse ridícula, frente ao ímpeto que tanta
juventude trazia sem fazer nenhum esforço, não disse. Calou-se naquele tempo
impreciso quando mais um passo teria feito toda diferença no embalo pra saltar
o precipício da novidade, do incerto, do inevitável. A falta dela naquele
quarto nesta madrugada era como o vazio da queda depois do salto, sentia-se
voando até dar-se conta que aquele ponto verde se aproximando rápido era o
próprio chão. Conseguiu arrancar um riso
envergonhado de si mesmo, lembrou-se do cachalote do Guia do Mochileiro das
Galáxias, era ele em queda livre. E sem levar toalha. Buscou o celular, nenhuma
chamada, nenhuma mensagem, mais vazios. Foi até a varanda. A rua também vazia lá
embaixo não impacientava apenas pelo texto que gritava para si sobre as coisas que
não estão mais lá, mas também do tempo que passaram dividindo aquela mesma vista, do que percebiam juntos: do céu, ao ninho de passarinho escondido nos
caibros da casa vizinha. Deitou-se na rede e sem titubear enviou-lhe uma
mensagem, assim, a mais rápida e mais cuidadosa, com todo o investimento de
sentimentos que podia sem avançar sobre fronteiras que não dominava: “saudade
de tu”. E deixou-se apagar no fundo da rede. Quando o sol lhe acordou pouco
tempo depois, ao levantar-se, pisou o celular que havia sido largado no chão.
Ao tomá-lo, verificou de forma displicente o visor, pois não haveria nada pra
ser visto ali. Porém, enganara-se, poucos minutos depois que caíra no sono
chegara a resposta dela e ele não vira: “saudades tb”... foi preparar um café,
era um novo dia. Sentia-se um John Wayne dos SMS’s.
domingo, 26 de agosto de 2012
Beta Band - Dry The Rain
"This is the definition of my life
Lying in bed in the sunlight
Choking on the vitamin tablet
The doctor gave in the hope of saving me
In the hope of saving me..."
Lying in bed in the sunlight
Choking on the vitamin tablet
The doctor gave in the hope of saving me
In the hope of saving me..."
Alguma Notícia? (conto)
Nunca mais ninguém havia tido notícias dela.
Naquela noite iria encontrá-la. Temia ser a última
vez, adiantara pra si mesmo o roteiro, não devia fazê-lo, não mais, mas fazia
naquele momento o spoiler de sua própria vida. Bem, ela disse que iria ao seu
encontro, não sem alguma resistência, pôde senti-la naquele cacoete que ela
sempre teve em momentos de relutância. De alguma forma precisavam se ver mais uma
vez, por isso interpretou o terceiro suspiro dela como parecendo ser um sim
para aquela pergunta a qual ele não tinha coragem de fazer... (as reticências
persistirão. Antes eram PS’s, mas isso foi há muito tempo)
Pensara por um lapso, enquanto o silêncio marcou o
tempo do mundo: “melhor deixar tudo pra lá, nada mais há pra ser dito, os
melhores dias se foram, o que há hoje já não diz quase nada sobre o que fomos”.
Certa vez, num boteco barato perto do centro ao qual costumavam ir, ela lhe
disse: “nunca entendi bem como nos encontramos, nunca fui muito de pensar
nessas coisas. E hoje, nessa noite, nesse bar fuleiro, me pego pensando sobre o
futuro. Não sei se gosto, futuro nunca entrou em meus pensamentos". E
concluiu: “não sei se devo agradecer isso a você, provavelmente não (silêncio),
pois te amo”. A angústia o tomou de assalto depois do beijo que se seguiu.
Despertara um monstro de duzentas cabeças que nunca dormira no interior dela.
Pensava agora como num moto continuo: “o que fiz? O que fiz? O que fiz?...”,
Mas isso foi há muitos meses. essa noite, seria diferente, o futuro chegara, as
coisas mudaram, o cotidiano pode ser muito cruel com os sonhos, só perde pro
absurdo, em poder de desmontar felicidades.
Chegado o momento do encontro, ela, pra variar atrasada
(muito). O mesmo boteco mofado, ela fez questão de que fosse lá, depois dele
ter dito que tanto fazia o lugar. À porta do bar, a imagem daquela mulher
linda, parada por um instante enquanto tentava localizá-lo entre as poucas
pessoas que estavam lá, parecia ser a medida do frame que gostaria de levar pra
sempre se o mundo tivesse que acabar ali. Vestia aquele vestido de tons
verde(azul?)-piscina, com cara de domingo de sol, aquele mesmo que um dia
disse-lhe toda feliz que havia comprado em um brechó que vira do ônibus outro
dia. Sorriu e veio sentar-se. O sorriso veio fácil, era automático, nada
parecia mudar, apesar de tudo que tanto mudara. A velha junkbox , fiel, tocava
os embalos cafonas os quais ela amava. Ele, metido a seletivo (um tanto esnobe
e aristocrata firme em sua crença no seu pseudotalento em escolher bem). A
cerveja quase nunca estava gelada, mas mesmo assim ele sempre insistia. Ela
pediu uma cachaça e limão. Sua cara. Fazia muito bem a cena de virar o primeiro
trago sem fazer caretas. Ele nunca conseguira. Mas pedira uma dose também,
antes da cerveja. Depois que ele fez sua tradicional careta, ela riu:
“menininha”, disse.
“E então, como vão as coisas?”, ela perguntou
direto, mais do que ele poderia se enganar achando que ela não o faria.
“Conte-me as novidades”, completou. Ah como desejara profundamente que ela não
repetisse aquela pergunta. “Ok, tudo andando”, respondeu ele sem muita
convicção. E vieram as perguntas de praxe: “então como está o gato, as plantas
sua casa? E sua Mãe, Dª Fulana vai bem?”. Por que ela fazia aquilo, pensava
ele, o que ela fazia ali, por que com ele? Por que tão linda, sempre? Claro que
o que queria ouvir nunca mais sairia da boca dela, ou não, era
contraditoriamente otimista às vezes. Então disse a ele que não poderia se
demorar ainda tinha outro compromisso. Ele não precisava de legendas, não mais,
sabia a algum tempo do que se tratava a velha história, mas antes do final
daquela dose de cana e da cerveja, tudo podia esperar ficar pra depois, pra lá,
além do que não precisava ser dito ali. Seus olhares tentavam ao máximo não se
cruzar, enquanto era melhor inventar qualquer assunto urgentemente para não ter
que encarar o inescapável. Escaparam, o tempo passou, a cana e a cerveja se
foram dos copos.
Ela levantou-se, apenas depois que a última música
tocou, abraçou-o forte, “a gente se vê” disse-lhe baixinho ao ouvido naquela
despedida. Nunca mais a veria. Não sabia exatamente o que havia ficado daquilo
tudo, o que havia acontecido estava longe de qualquer explicação. O que deixara
de ser também, por absoluta falta de parâmetros pra imaginar. Pôde virar todas
as cervejas quentes naquele bar antes de voltar pra casa, vacilante, pelas
ladeiras escuras do centro. O que poderia ter sido é o eco insistente das coisas
que não deveriam nunca ser lembradas. Não conseguiu chegar a casa, foi visto
pela última vez dormindo em banco de praça. Depois, sumiu no ar, como fumaça,
quando a última Lua também desapareceu do céu.
Agora era dele de quem nunca mais teriam notícias...
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Poesia 35 - Costumava esperar meu amor
Costumava esperar meu amor ao final da aula
Até o dia em que ele não veio
Insistia em tentar ver meu amor ao sair da fábrica
Mas ela nunca mais trabalhou
Teimava em ficar em frente ao banco, pra ver se ela saia
Mas nada, a porta giratória não abria
Parei de procurar meu amor onde ele pudesse ser tomado de
mim
E fui à praça
Dele nada soube dizer o vendedor de pipocas
Resolvi tentar frente ao mar
Queria ficar pra sempre sentado junto ao mar
Talvez um barco voltasse
E um barco voltou
Alguém desceu, não era meu amor
Mas disse estar com saudades
Deixou um beijo
E se foi
A sucessão infinita de ondas marcava o compasso de um tempo que só não falava mais do que aquela música, cujo nome esqueci, e que esperava ouvir ansiosamente.
terça-feira, 21 de agosto de 2012
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Série Cartas e Cinema (3): Central do Brasil - A Carta de Dora
Dora |
Trilha sonora de Antônio Pinto.
"Josué,
faz muito tempo que não mando uma carta pra alguém, agora estou mandando esta carta pra você. Você tem razão, seu pai ainda vai voltar e com certeza ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu me lembro do meu pai me levando na locomotiva que ele dirigia. Ele me deixou, uma menininha, dar o apito de trem a viajem todaQuando você tiver cruzando as estradas, no seu caminhão enorme, eu espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer por a mão num volante. Também vai ser melhor pra você ficar aí com seus irmãos, você merece muito, muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo, que um dia, você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.
Dora"
Para ouvir mais de Antônio Pinto clique: "Ausência"
Ps: Central do Brasil: Dica de Christian Palmer.
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sábado, 18 de agosto de 2012
Fim de Tarde
Baia Formosa, RN (Van) |
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Série Cartas e Cinema (2): Tout Va Bien/Letter to Jane (1972)
Godard sobre uma foto jornalística de Jane Fonda no Vietnã.
"Querida Jane,
no folheto publicitário que acompanha 'Tout va Bien', nos festivais de Cartago, Veneza, Nova Iorque e São Francisco preferimos colocar uma foto sua no Vietnã no lugar das fotos do filme. Encontramos essa foto em um número de L'Express em princípio de agosto de 72(...)
Que papel devem desempenhar os intelectuais na Revolução? A esta pergunta a foto dá uma resposta prática (a resposta dada é sua prática)(...)"
Dica de Cid Vasconcelos.
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quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Série Cartas e Cinema - The Thin Red Line (1998) II
Bem, se vocês se emocionaram com a resposta da esposa do soldado Jack Bell no post anterior, preparem-se para saber o que ele escreveu pra ela anteriormente.
Tudo devastador, como as guerras. Tudo fora do lugar, como nas revoluções. A paixão está no princípio e fim de tudo, a razão parece só um meio. Ninguém sabe quando chega o final, de alguma forma, para alguém, o final nunca chega, há a memória pra cuidar disso.
Da carta anterior: "Oh my friend of all those shining years. Help me leave you.”
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terça-feira, 14 de agosto de 2012
Série Cartas e Cinema - The Thin Red Line (1998)
Pvt. Jack Bell (Ben Chaplin) |
Inaugurando, uma das minhas preferidas. The Thin Red Line, direção: Terrence Malick (1998). Música: Hans Zimmer.
Marty Bell
(the reply): “Dear Jack. I’ve met an air
force captain. I want a divorce to marry
him. I know you can say no, but I’m
asking you anyway, out of the memory of what we had together. Forgive me.
It just got too lonely Jack.
We’ll meet again some day. People
who’ve been as close as we’ve been always meet again. I have no right to speak to you this way. I
can’t stop myself, the habits so strong.
Oh my friend of all those shining years.
Help me leave you.”
Carlos Drummond - Memória
Cartier Bresson |
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
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segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Coragem no Front Esquecido
Caminito (Van) |
domingo, 12 de agosto de 2012
Tudo Tem Seu Tempo
Cartier Bresson |
Sob pouca luz, parada à porta do quarto seu corpo adquiria
um tamanho muito superior ao que tinha de fato. E que já era muito. Nesse
momento ela o inquiria com os olhos sobre o seu silêncio. Suas distâncias não
casavam com os olhos profundos que lhe perscrutavam a alma de cordeiro sob a
pele de lobo. Ela sabia. O perigo nunca foi ele, o risco era estar ali, o risco
era viver, ela ama o risco. Alguém já tinha dito, há muito em jogo quando o
jogo é se entregar. Entregas dissovem lobos em cordeiros e transforma
escuridões em lugares aprazíveis, e depois de tudo, tudo ao contrário. Naquela
noite em particular, não queria se apaixonar, apesar de amá-lo. Queria
ignorá-lo ali, daquela distância infinita enquanto não andava em sua direção. O
que havia ali, o que mudara? As antigas certezas foram deixadas pra trás depois
de algumas garrafas de vinho, o macht point daquele momento não tinha nada a
ver com vida depois, era apenas o momento, fechar o set. Repetia pra si, o
velho mantra que ensinava a ele a cada encontro: por que não? Ele não a ouvia.
Tolo, não sabia ver. Ouvir pra quem relutava tanto já era luxo. Luzes off. Depois
da penumbra, sob a luz que escapava das persianas fechadas, a sombra longilínea, dizia do
espaço que se fora, distâncias nunca mais seriam necessárias, pois inúteis.
Dobrá-lo não fora difícil, como também não o fora convencê-lo que voltaria. Ao
sair disse-lhe com voz terna: tudo tem seu tempo. E fechou a porta devagar. Ela
sabia algo de tempo e distâncias, disso ele tinha plena certeza. Depois de
algum tempo que não conseguiu mais vê-la, dedicou-se a escrever as várias possibilidades
de reconstruir com palavras os cheiros e o sabor de sua boca.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
A Noite Dissolve os Homens
Espera (Van) |
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total
incompreensão.
A noite caiu. Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os
guerreiros.
E o amor não abre caminho na noite.
A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes!
nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.
Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus
dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam
na escuridão
como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um
perdão
simples e macio...
Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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segunda-feira, 6 de agosto de 2012
No Espaço
Van Gogh - Starry Night |
Havia uma brecha no tempo naquele terraço à noite. Sob a luz
intensa daquela Lua cheia, algo na rotação da terra se alterou, gravidade,
tempo, magnetismo. Linhas de força a muito em vibração recôndita, se estilhaçaram
frente à tamanha solicitação de algo que não podia mais ser adiado. Quando os
braços daquela moça morena se acomodaram ao redor do pescoço dele também a atmosfera
e todo o ar do mundo pareceram desaparecer. Enquanto ele delicadamente afagava
seus cabelos, sentia que a luzes da cidade ao longe, se dissolviam em borrões
amarelos, não precisava mais enxergar. Via demais naquele momento de olhos tão
cerrados. Via pelo cheiro dela, olhava através do toque suave de suas mãos, vislumbrava
pelo retorno firme ao contorno de músculos, ancas, quadris que se queriam ali,
apenas serem consumidos por um abraço sem fim. E se beijaram. Permaneceram
assim num só contínuo, na noite a qual tudo saiu de órbita e pareceu apontar uma
razão para estar, mesmo sem entender, mesmo sem pensar em amanhã, mesmo que o
som de sua respiração ofegante dissesse que, nada mais importava, além de ir-se
naquele suspiro profundo onde suas bocas procuravam desesperadamente achar
tempo onde nem ar existia. Queriam encontrar mesmo o quê? Antes do fim da noite
se foram. Alguém apostou que voltariam ali um dia. O Universo perderia novamente
seus azimutes e se acharia. E outro alguém, que soube disso já como lenda, muito
tempo depois, garantiu que havia apenas eles ali e que se acharam. De algum apartamento nas redondezas
aquela música tocava novamente, Let It Be... Sempre ela, desde sempre.
sábado, 4 de agosto de 2012
Cat Power - Sea of Love
Era dado a vaticínios. Num sábado de sol, logo ali perto da hora do almoço, lembrou do sorriso dela. O mar, o mar, pensou! Ela, seu sorriso e o mar. Sorriu. E disse mais uma vez pra si: caso com a primeira mulher que amar Cat Power! Sabia a força que isso tinha. Sabia que se metia numa fria, sabia que gostava de aventuras, sabia que não recuaria. Não mais. Poetas não recuam, são feitos de fios finíssimos de coisas que se enrolam nos sonhos, se misturam com a realidade e viram textos que ninguém lê. Só pra te apurrinhar, só pra te convencer, só pra não esquecer. Só por só. Só pra te ver feliz do jeito que gosto de ver. Mesmo de longe, mesmo de onde já não dá pra ver, mesmo do lugar onde você fica mais bonita do que tudo que possa ter existido.
Assim
Como sei lembrar de você.
Assim
Como sei lembrar de você.
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Sea of Love
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Patrick Süskind - A Pomba (trecho final)
São Jorge Contra o Dragão - Xilogravura (Museu do Ceará). SALVE, JORGE! |
"Ainda não conseguia enxergar até o fim do corredor, o
claro e ofuscante bloco de luz junto à janela cortava-lhe a visão. Seguiu
adiante, intrépido de uma certa maneira, atravessou a luz, chegou atrás das
sombras. O corredor estava totalmente vazio. A pomba desaparecera. As nódoas
haviam sido esfregadas. Nenhuma peninha, nenhuma penugenzinha mais tremendo em
cima do ladrilho vermelho".
...
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