Ecos de Edu Lobo pra noites de silêncio.
"DAVE BOWMAN: You see, something's going to happen. You must leave. HEYWOOD FLOYD: What? What's going to happen? DAVE BOWMAN: Something wonderful" (2010: The Year We Make Contact)
terça-feira, 26 de novembro de 2013
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Via Expressa para o Futuro
A moça levou consigo poucas lembranças quando cruzou
a soleira da porta. Deu seus primeiros passos pela rua já em outro mundo, numa
terra distante, onde não fazia mais diferença se haviam tido tempo de dar
adeus. Pouco mudava a ordem das coisas as horas que passaram conversando sobre
como consertar o que não podiam falar.
Olhava para os edifícios daquele país
estranho e via uma terra desconjuntada, fora de ordem, na qual seus passos não
faziam eco e as pessoas só se amavam em filmes antigos. Sentiu saudades, de
verdade, pela primeira vez muitos anos depois, já estava enraizada,
misturava-se à geografia de um lugar na qual ela estava colada às paredes como
cartazes de propaganda. Sentiu falta de uma fala de sorrisos, que mesmo sem
contar o que sentia, falava do gesto mínimo que seus olhos faziam ao acordar.
Quis um café com cuscuz, daqueles que nunca encontraria em meio a tantas vias
expressas para o futuro.
sábado, 2 de novembro de 2013
Toda poesia é falsa
Edward hopper - Sunlights in Cafeteria |
Sábado, fim de tarde morno. Cidade estranha, escala
numa viagem de trabalho. Nada pra fazer,
ninguém pra ligar, canso do barulho monótono do ventilador de teto. Melhor ir
para o Centro ver as pessoas.
Paro em um café antigo, hora de brincar o velho jogo
de adivinhar roteiros possíveis dos passantes. Imaginar destinos pros que ficam
às mesas. Tentar acertar o motivo pelo qual o jovem casal discute efusivamente.
Fantasiar o que me diria a garota de profundos olhos negros – olhar distante,
chuvoso, desses que induzem poemas de despedidas a cada piscada – caso sentasse
aqui comigo.
Ela lê um livro de poesias. Uma coletânea de capa
dura, marrom e amarela, bastante surrada. Talvez vindo de algum dos sebos que
vi no caminho, quem sabe, comprado nesse mesmo dia.
Ela se levanta, paga a conta e desaparece rua
abaixo. Pude ver de relance o nome do autor: Dave Bowman.
Levanto-me também e procuro num sebo vizinho o tal
livro. Encontro-o numa edição mais atual, abro-o no primeiro poema:
Deite seu peso em meu colo
Fique comigo
Experimente de perto meu desespero
Tente ver por dentro dessa escuridão
Seu cheiro tem algo de medo
Seu medo, algo de você
Ainda lembro
Agarro-me a isso
Com a força de uma relutância infinita
Não posso dizer-lhe mais nenhuma
verdade
Talvez só reste uma
Só a dor é real
E toda poesia é falsa
Dessa forma inusitada aquela garota de inalcançáveis
olhos de melancolia me fez saber : “Só a dor é real, e toda poesia é falsa”.
Volto para o hotel.
Noite, 27º.
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segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Do lado em que quebram as ondas
Henri Cartier-Bresson |
Um dia ela saiu. Juntou suas coisas pra ver outra
vida, conhecer um oceano distante, ver de perto as ondas que quebravam em outra
direção, numa praia que vira num cartão postal quando era pequena. Aquele
momento não careceu despedida, nem havia muito que levar, comprou uma passagem
de ocasião. O mais importante era por os
pés na areia daquele outro lado do mundo, no lado B de si mesma, quando suas
saudades caberiam nos versos de um guardanapo, no sabor ácido daquele limão na
bebida, no flerte do jovem que tomava uma cerveja no bar. Num final de tarde
estava ali, do outro lado do mundo, no lugar onde os ventos faziam curvas que
reviravam seus cabelos cacheados ainda mais, e ela pensava que aquele horizonte
era do tamanho de todos os sonhos que podia ter vivido quando ainda não sabia
que a dor obrigava a deixar coisas pra trás. A aceitar que o cenário mais belo
do cartão postal é feito de alguma matéria de coisas que não existem mais.
Nesse momento quis escrever algo, telefonar, quem sabe, tirar a foto perfeita.
Não precisava dizer mais nada. Como não mais se veriam tudo seguiria seu rumo, de
agora em diante só bastava ver as ondas que quebravam de um jeito diferente do
outro lado do mundo.
Distância é uma precária
combinação de pontes que insistem em se manter inexistentes, mesmo com todos os
aviões cruzando os céus.
Ps: O outro lado de si mesmo é a fronteira final. Há quem diga que poucos chegam lá. Ninguém nunca conseguiu voltar.
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sexta-feira, 11 de outubro de 2013
ANTES QUE ELA CHEGASSE
Almoçara cedo nesta sexta feira, praticamente não
tocou na comida. Ainda havia coisas para arrumar na casa antes que ela
chegasse, mais ainda para colocar em ordem em sua cabeça antes que a visse
novamente. Urgia dar uma aparência decente ao apartamento, dar um jeito na
pilha de pratos na cozinha, papéis sobre o sofá, na roupa usada largada pelos
cantos.
Fez o que podia, pois sua vontade era pouca, forte apenas para uma luta
imaginária contra o relógio, faltavam agora poucos instantes para a hora marcada.
Do que era preciso mesmo para aquele encontro estava quase tudo pronto.
O interfone
tocou pontual, sabia que era ela, liberou imediatamente o portão. No momento em
que chegou a sala estava ainda da mesma forma, não conseguira organizar nada,
estava tudo do jeito de sua cabeça. Trocaram um “olá” rápido, pra dentro,
intenso na dissolução da expectativa de que, de alguma forma, fosse diferente
naquele último encontro.
Sim, era talvez o último, ela estava se despedindo sem
dizer nenhum “adeus”. Perguntou sobre suas coisas. Ele respondeu que estavam
todas lá, encostadas na parede, nas últimas malas. Ele ajudou a descê-las do
segundo andar. Do outro lado da rua um sedã escuro com os vidros levantados a
esperava com o motor ligado.
Ele faltou ao trabalho essa tarde. Com voz
embargada, disse ao Chefe que estava doente.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Sem Nenhum Gosto
Well Dressed Man with Baguette (Larry Vogel) |
Levantou-se no meio da madrugada. Havia
esquecido as luzes da casa ligada, como muitas vezes nas últimas semanas, o
clarão nos olhos o impediu de continuar fingindo dormir. Se investiu de toda
determinação para sair da cama e ir à cozinha tomar um copo d’água.
Ao passar pela sala os viu todos os
papéis, blocos, anotações e tudo que fingia não mais existir quando se
abandonou depois que ela se foi. Pra variar a água do garrafão acabara, bebeu
da torneira mesmo, tanto fazia. Fez um café, e tornou a olhar a mesa
desarrumada. Enquanto olhava para a cadeira afastada, a roupa pelo chão, a planta
que murchara, ouvia o silêncio histérico das palavras não ditas, a tormenta
muda do gesto não realizado, tudo nas linhas que não conseguia mais retomar do
seu último texto. Desde que ela se foi sua coragem vinha a contas gotas, letra
a letra, à medida que a arrancava de si – a contragosto, sem nenhum gosto.
Puxou a cadeira para
próximo da mesa, olhou para o futuro e escreveu algumas linhas que falavam de
um encontro no passado, e de um querer que seguia sorrindo onde ninguém mais o
alcançaria. Nessa hora o Sol começava a aparecer entre os prédios. Logo mais
tinha que trabalhar. “Eles não mais se veriam”, pensou. “Melhor ir comprar pão”
terça-feira, 10 de setembro de 2013
Uma Pequena Fuga
Lissy Elle |
Um dia ela saiu cedo, não disse a ninguém aonde
iria. Pegou a estrada rumo à praia mais distante que pode chegar. O litoral do
seu Estado não era extenso, assim como também não tinha muito dinheiro para
chegar tão longe, apenas a passagem do ônibus. Foi até às colinas que davam
para o oceano, desceu as pedras escarpadas e chegou até a fina faixa de areia
da maré baixa.
Era meio de semana, não havia sinal de vida enquanto
descia. Na sua mente, o motivo da pequena viagem tinha a ver com uma fuga, fuga
súbita de si, de um mundo no qual já não se cabia. Partira como um foguete e
pousara feito um modulo lunar naquele lugar desoladamente lindo, na qual sua
solidão fazia sentido frente a qualquer história que escrevesse para si daquele
momento em diante.
Não precisou mais pensar, deixou cair por terra seu
fino vestido colorido. Singrava as ondas agora. Tomou banho de mar nua pela
primeira vez. Amava-se mais do que nunca.
Estava livre.
domingo, 1 de setembro de 2013
Little Dragon - Please, Turn
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terça-feira, 27 de agosto de 2013
E Pegou a Estrada
"Compartment C, Car 293" (1938), Edward Hopper |
Hoje ela queria sair dali, assim, de súbito. Ir, escafeder-se, melhor, teletransportar-se. Revirar a realidade por suas dobras sobre si mesma, ver por dentro das coisas invisíveis, experimentar um pouco do impossível, sentir a calma do olho da tormenta, dormir um sonho inesquecível.
Ela queria apenas partir. Pra onde a levaria o coelho
branco não interessava. Chegara a hora, ela o seguiria. Como não tinha rumo,
escrevia em sua mente roteiros como melodias: suas melhores bandas, suas
músicas secretas, um som que ainda estava por conhecer, aquele, que em segredo
lhe fazia arrepiar a nuca, no mesmo instante em que voltava à realidade.
Transgredir-se-ia
sem pensar, a partir de hoje a vida não careceria de descanso, o Mundo seria
seu pouso.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Série Cartas e Cinema (5): About Schmidt (2002) - Ndugu's Letter
"Confissões de Schmidt" (2002) |
Direção de Alexander Payne.
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sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Distrações de Aniversário
Era semana de aniversário que passava, e
era urgente, a necessidade de comemorar. Foram-se tantos sobressaltos, uma
pressa não sentida correu com os dias, devorou toda a vontade, se apossou do
hoje. Chegara o dia de aniversário, ela não acordara. Não, ainda não tão cedo.
Não sabia dos amigos nem de nada mais, embalada ficou, dormiu mais, pois era
dia de aniversário, nesse dia não haveria pressa. Nesse dia se perderia do
tempo e se acharia longe de qualquer euforia, não perderia energias pelejando
por nada, muito pelo contrário, haveria um tipo de conforto, de satisfação
diferente, não haveria nada pra esperar. Tomaria uma ou algumas cervejas
geladas na varanda, molharia sua planta, conversaria com as formigas. Soltaria
o relógio apenas quando o dia acabasse para que o fim só chegasse quando ela
estivesse novamente distraída.
quarta-feira, 31 de julho de 2013
terça-feira, 30 de julho de 2013
Último Voo
Acordou subitamente no meio da madrugada. Estava
bastante suada. Oitavo andar, mesmo com a janela aberta, não havia sinal de
brisa que aliviasse o forte calor de verão. Tudo estava iluminado, o luar
invadia o quarto. Estava sozinha, havia muito tempo que não dividia sua vida
com alguém. Acostumara-se à solidão, se dava conta disso agora, pois não tinha
a quem contar o sonho estranho que acabara de ter.
Mas esse não era o problema, nem mesmo seus estranhos
sonhos recorrentes. Sua Vida, essa sim o era, iniciada dessa forma, com letra maiúscula
e intensidade, pois naquele instante, por alguns segundos nos quais recobrava
fôlego, ofegante, não sabia mais o que era real. Demorou até que seu pulso
voltasse ao normal, tinha fortes dores na coluna. Tomou um comprimido e olhou o
vazio da rua pela janela.
Lembrava-se do sonho agora, via seu amor indo
embora, atravessando a rua, levando suas coisas. Arrependeu-se, tentou
impedi-lo, pulou a janela e conseguiu voar. Seu feito atraiu a atenção de todos
os passantes, que voltaram o olhar para cima. Uma mulher gritou. Ele parou no
meio da faixa de pedestres e olhou para trás. Foi atropelado e morto por um
ônibus circular.
Hoje, depois de tanto tempo, tem duvidas se as
coisas aconteceram de fato dessa maneira.
Tiraria a prova, essa noite pularia a janela outra
vez.
Martina Topley Bird - Sandpaper Kisses (live)
"You're gonna leave her
You have deceived her
Just a girl, a blood red pearl"
You have deceived her
Just a girl, a blood red pearl"
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domingo, 21 de julho de 2013
A Caixa Floral
A caixa de presente, dessas de papelão, ornamentada
com estampas banais (motivos florais, sem graça, em tons de rosa), permaneceu
fechada sobre a mesa de jantar por mais de um mês. Havia muito tempo que não
retornava às suas memórias de juventude, em especial às contidas nas imagens da dita caixa de ordinários motivos florais. Passava já anos desde que
se despediu de seu grande amor, pra sempre. O tempo passou e a recusa em falar
palavra que fosse reforçava sua convicção de que fizera a coisa certa.
Nessa manhã de sábado banhou-se, colocou roupa limpa,
como se preparando para um grande encontro. À mesa, tomou seu café
fitando a tal caixa. Receou abri-la. Antes, tentou lembrar-se dos momentos que
as fotos traziam, se deu conta que já não conseguia. Seu silêncio havia feito
morada em sua memória. Após o café, desistiu do plano, retornou a caixa para o
fundo do maleiro do guarda-roupa. Sua necessidade em convencer-se em seguir em
frente não podia mais conviver com as flores que brilhariam pra sempre ocultas
ali dentro, junto com as praias, festas, amigos, lugares distantes, aranhas e
traças que comiam devagar o que passou.
Mais a frente nessa história, enquanto convalescente
em um hospital, pediu a alguém que lhe trouxesse a tal caixa. Era noite. Na
manhã seguinte, na hora da visita, seu pedido foi realizado. Tarde demais,
partira antes. Não teve chance de rever o tempo que acreditava na plena
realização de suas esperanças de futuro.
A desbotada caixa floral de papelão seguiu fechada
para a escuridão do seu último silêncio, dentro caixão. A ninguém mais, de
fato, dizia respeito aquele passado.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
domingo, 7 de julho de 2013
More Than This - Lost In Translation (Bill Murray & Scarlett Johansson feat. Roxy Music)
Além disso, nada mais.
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sexta-feira, 5 de julho de 2013
Porque era dia de aniversário
Henri Cartier Bresson |
Havia sol no dia que ela foi até a agência dos correios postar a dita carta. Havia prometido pra si mesma que não o faria, durante muito tempo hesitou, algumas vezes ensaiou o percurso a pé, que passava pelo mercado, atravessava aquela praça dos benjamins, pela esquina daquele botequim frequentado pelos motoristas e cobradores da empresa de ônibus.
Hoje foi o
dia em que aquele seu nó na garganta se desfez. Colocou um diáfano vestido
floral, com alças finas, aquele mesmo vestido que repetia e descrevia, em câmera
lenta, a cadência de seus passos como sua poesia em movimento, quando passava pelas ruas. Hoje resolveu
soltar o cabelo, estava comprido. Solto, pois não havia mais motivos de
esperas, nem amarras para que não balançassem ao vento da manhã dessa sexta
feira.
Postou a carta que dizia de sua liberdade. Deu as costas para a loja dos
Correios com a leveza de quem nasceu hoje. Parou na padaria, pediu um café,
fumou um cigarro, enquanto ia para o Centro. Flertou com o rapaz bonito da loja
de sapatos.
Sentia-se mais viva que nunca em seu aniversário.
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Henri Cartier Bresson
quarta-feira, 26 de junho de 2013
Dias de Rebelião
Pararam próximos a uma vitrine de uma loja chique do
bairro nobre da cidade. Palmas das mãos estendidas sobre o vidro, os dedos dela e
os dele, lado a lado, tocavam o vidro frio, sentiam na rigidez da transparência
a distância das coisas que não lhes diziam respeito, o vazio do mundo nas coisas à venda - inalcançáveis. Ver e
não tocar, não atravessar, não transgredir, não rebelar-se contra a coisa que
os aprisionavam num mundo segregado. Até o momento que, o voo não previsto de
uma pedra, vinda sabe-se lá onde, estilhaçou tudo e cobriu a calçada com centenas
de pequenos fragmentos de vidro. Mãos dadas, hora de correr pelas calçadas em
convulsão. Dias de levante. Dedos entrelaçados, a revolução urrava pelos desejos
libertos de todas as paixões no mundo, que as coisas não conseguiam mais reter.
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Olhos de Viagem
Cartier Bresson (1969) |
Sentaram-se
próximos no mesmo café algumas vezes. Não parecia nunca passar muito tempo sem
que a visse naquela mesa do canto - Curiosamente, sempre desocupada pra ela.
Reparou-a logo nas
primeiras vezes, morena, cabelos compridos, gestos contidos, mãos finas, olhos
que não estavam ali, nem em nenhum lugar, mas além. Além dos quadros de postais
em molduras marrom na parede: Caminito, La Moneda, Abbey Road e outros lugares
menos comentados mais ao Oriente.
Em silêncio seu
olhar parecia assistir o ir e vir dos passantes em cada frame de uma realidade
para a qual ela gostaria de se transportar naquele instante. Seu silêncio e
solidão descreviam mais um postal: vestido branco curto, sandálias baixas,
pouca ou nenhuma maquiagem.
Nunca parecia
triste, nem tão pouco alegre, mas sim em trânsito, em um tipo de suspensão do
tempo que a fazia de outro momento. Descrevia um movimento delicado no espaço
ao verter o último gole da xícara.
Um dia no qual ela
deixou o café, quem sabe para que destino, quisera desejar-lhe uma “boa viagem”
- Sequer chegara a dar um “até logo”, no máximo a olhou mais demoradamente
enquanto ela cruzava a porta. Até um dia que percebera que ela não mais retornara.
A mesa do canto há muito era ocupada por pessoas sem viagem nos olhos.
Meses depois o
proprietário fixou mais um quadro na parede. Podia jurar que na foto a moça
morena está sentada num banco de praça em Barcelona. O olhar dela em trânsito,
mesma paisagem em seu destino: a de seguir pra fora de tudo.
domingo, 19 de maio de 2013
Tragados Pelo Mar
The Perfect Storm (2000) |
Estavam já há vários minutos em silêncio. Enquanto
ele olhava todo aquele mar azul à sua frente, ela o perguntava sobre seu amor,
seu passado, seu futuro. Ela queria ter filhos, ela queria ser sua, ela não
queria a concorrência de nada, nem do tempo. Queria sua boca, seu sexo, deitar
com ele sob aquele sol, construir uma cabana na praia. Ela perguntou-lhe se ele
a amava. Silêncio, nada além das ondas e do vento. Ele continuava a fixar o
mar, e pensava, bem no instante que uma grande onda quebrava nas pedras onde
acharam o corpo do pescador desaparecido: “O que sobrou de um homem do mar
encontrado nessas pedras. Seu barco, nunca mais foi visto, nem tão poucos seus
colegas, o mar dificilmente devolve quem ele escolhe. Se alguém volta, porque a
morte manda recado”. No lapso que se seguiu, ao olhar novamente para ela, além
do espaço vazio, pode ver um ponto escuro já distante, descendo ligeiro a
ribanceira. Evidente que ela não se importava com a sorte dos que são tragados
pelo mar.
terça-feira, 7 de maio de 2013
Sem Pedido de Resgate
Depois daquela visita dela a sua casa, duas ou três
linhas urgentes, sobre o fato de ela querer sequestrar seu bibelô preferido,
aquela miniatura do R2-D2. Ele pensou ter deixado claro, não se leva um R2-D2
da sua própria casa sem luta. Mas não conseguiu esconder que era a ele mesmo,
que ela deveria levar naquela bolsa de praia.
Enfim, desarmou suas trincheiras antes
mesmo da luta começar. Não apenas o
pequeno robô, os dois foram tragados pela colorida bolsa de praia. Abduzidos, hoje
dormitam na prateleira de uma casa estranha, durante todo o dia vendo aquela
moça de cabelos castanhos passando de lá pra cá, sempre com um sorriso enorme
no rosto. E uma cara de “eu não disse que vocês seriam meus, foi muito fácil”.
Não há notícias de pedido de resgate.
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Bater a porta e sair
Edward Hopper - Nighthawks (1942) |
Dentro de sua mente, ainda podia ouvir o som da
porta ao bater daquela última vez. Daquele canto da sala de onde lhe parecera nunca
mais sair, nada lhe era mais presente. Havia uma mudança lenta dos tons da
parede à medida que o Sol era filtrado pelas cortinas claras, e as horas iam
passando ao longo do dia. Cada detalhe daquele arranjo de flores sobre a mesa
de centro fora cuidadosamente analisado sob aquele inusitado ângulo de
observação no qual se encontrava agora.
Em certo instante, dentro de um looping eterno, entre o sorridente início de tudo e os
fatos descontrolados que os levaram até o momento da contagem das hastes de
margaridas sobre a mesinha de centro, houve a consciência que já se passavam
pelo menos 12 horas que não pronunciava palavra. Nem consigo, muito menos com
ninguém. Pensara isso ao olhar a xícara de café, ainda pela metade, sobre a
mesma mesa de centro e que esfriara tanto tempo atrás – Percebeu seus lábios
secos, colados, sedentos de saliva que os tirasse da prisão do silêncio.
Parecia que daquela vez em diante nunca mais haveria diálogo, aparentemente,
mesmo os monólogos haviam sido encerrados.
Noite. Súbito, levantou-se. Cuidou minimamente da aparência
de cansaço. Lançou-se à rua. Minutos depois trocava ideias sobre a vida com o
simpático senhor que atendia no antigo Café da esquina, do amargor da
frustração à insistência que algo maravilhoso pode estar sempre pra acontecer.
Passavam os anos e seu José continuava infalível em acompanhar histórias dos
outros. Alguns cafés e pães de queijo depois – mal se dera conta o quanto
estava com fome - aquela seria sua vez de bater a porta e sair pra vida.
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quarta-feira, 24 de abril de 2013
Dársena Sur - Juan Carlos Cárceres
"...Otra mañana en Buenos Aires
me tomo un cafecito
y vamos viejo
a laburar.
Tal vez mañana, en Buenos Aires,
yo, cierro la valija.
Me subo a un barco
y nunca más."
y vamos viejo
a laburar.
Tal vez mañana, en Buenos Aires,
yo, cierro la valija.
Me subo a un barco
y nunca más."
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domingo, 14 de abril de 2013
E alguns fios castanhos pelo chão
Hugues Erre (fonte aqui: Obvious) |
Ele pra variar, não sabia para onde ir. Ela ali a
sua frente naquela tarde de céu azul profundo. Entre um toque de leve de mãos,
um sorriso e um instantâneo de destino em forma de sonhos, emergiam as escolhas
irresistíveis: ficar ou seguir. Das bocas nenhum argumento lhes convencia, não
havia nenhum fato que se opusesse às cores do silêncio enquanto se olhavam.
Se havia algum fato inescapável era o de que ela
estava lá. Agora, à sua frente, atrás, aos lados, em cima e abaixo de onde o
pensamento podia – Ela já estava. Cheia de praia e sol nos olhos e de brilho de
toda à tarde. E ele lá esperando pelo beijo dela.
Ela, onde não se sabia, distante das velhas certezas, desmontando devagar os
segredos de cada ruga no rosto dele, decifrando os códigos secretos que se pretendiam tão bem guardados nos seus rastros de cabelos brancos.
Deram-se conta que não sabiam para onde ir. Riram e
continuaram.
No dia seguinte, restaram alguns fios de longos
cabelos castanhos pelo chão.
terça-feira, 9 de abril de 2013
Antes que o amor acabe
Havia muita música no ar naquele dia. Nada poderia
ser mais festivo do que um sábado no qual o samba tomava conta da cidade e a
alegria dava o ar da graça, prometendo que tudo podia ser mais feliz. O enredo,
claro, não seria outro, garoto que encontra garota, conversas sobre música e o
povo que passava. Risadas na cara da vida.
Como num drible sagaz e curto de
Romário na pequena área, aquele canto de calçada havia se teletransportado para
um universo paralelo. E num passe de mágica, gol! Dos alto falantes da rua,
ouvia-se Chico Buarque: “Hoje, pena seria esperar em vão/ eu já tenho uma
morena/ eu já tenho um violão/ se o violão insistir, na certa/ a morena ainda
vem dançar/ a roda fica aberta/ e a banda vai passar”.
Noite alta, o samba só
crescia, dava para pensar em quantas melodias se podia desdobrar um único encontro.
Quando suas mãos se tocaram, enquanto ela olhava através dos olhos dele, mais
uma vez, parecia que Chico estava passando com a banda: “Eu quero cantar o
amor/ antes que o amor acabe”.
sexta-feira, 5 de abril de 2013
O Telefone Não Tocava
Hoje ela acordou cansada, pra variar. É sexta feira. Súbito, pulou da cama, não fazia mais diferença o transcorrer da semana e a mudança dos dias – uma, duas, três, 50 coisas pra fazer além do que sua razão podia aceitar. Não havia nenhuma festa em estar numa sexta, nada mudava no céu, ou na sua cabeça. O telefone não tocava.
Correu e pôs o café pra passar, enquanto se apressava no banho. Logo, muito cedo, deveria estar em mais um compromisso, longe, de si, do seu sonho, de uma vida que pensou ser diferente depois que tudo tivesse mudado. As coisas mudaram, ela também e tudo ficou assim, a repetição do dia, frente a uma opaca linha de chegada que nada trazia além da certeza que o tempo passa.
Tomou um gole de café, não comeu pão – se achava acima do peso – e projetou-se hall a fora para pegar o elevador. Amanhã é sábado, talvez se esqueça de lembrar que seu telefone poderia tocar.
quarta-feira, 20 de março de 2013
quinta-feira, 14 de março de 2013
Mais uma tattoo
Então, num súbito, ela sentia-se radiante frente a
ele. Não tinha mais medo de sua nudez, nada de seu corpo a envergonhava, nem
era muito gorda, nem muito magra, seus pelos, peitos, ancas estavam lá como se
antes de toda vida sempre estivessem.
Enquanto mirava os seus olhos, sabia que daquele
instante para frente começava a dominar um novo jogo, no qual todos ganhavam e
todos perdiam. Gostou daquela sensação, não era mais apenas uma garotinha, mas,
mesmo parecendo uma, tinha um poder infinito, podia desintegrar meia galáxia se
quisesse, piscando apenas um olho. Naquele momento que se virava, podia pô-lo ao
avesso com um leve requebrar, agora sabia como funcionava.
Mais nua do que nunca estivera, ao mesmo tempo, escondia
tanto que nem mesmo o menor grão de luz podia penetrar pelas brechas
infinitesimais de seus pensamentos. Ela estava além de si mesma, porque agora
sabia que havia algo de si que tinha conquistado para toda vida. Ele a
olhava com desejo, porém, certamente, absurdamente alheio às intensas
revoluções internas pelas quais passava a cabeça daquela garota.
Numa sequência de segundos eternos, ela deus alguns
poucos passos em direção à cama daquele quarto de motel barato. Ele não sabia.
Ela estava se encontrando, e ele... Estava
perdido.
Ela fez uma tatuagem em alusão a esse momento. Era
uma tattoo engraçada, ninguém nunca entendeu.
E ela nunca explicou.
quarta-feira, 13 de março de 2013
Um turno a mais
Chegou do seu turno ao final da madrugada. Ela
estava, como sempre, acordando pra ir trabalhar, pegar o primeiro trem. Tomaram
café da manhã juntos, ele trouxe o pão da padaria que ainda mal abrira.
Quentinhos, o pão, o café, as mãos entrelaçadas.
Pouco se falaram, parecia que
a falta de tempo, o cansaço, a saudade impediram todo o resto. Apenas se olharam,
assim, de mãos dadas, braços estendidos através da pequena mesa branca de fórmica.
Não puderam demorar-se mais. Já à porta, um beijo rápido, intenso. Um beijo de
saudade, de paixão, resignação e revolta, hora do adeus, hora de perder um amor
para o mundo.
Já no trem, apertada entre centenas de outras almas vendidas à vida
pra levar, lembrou-se, hoje fazia três anos que se conheceram. O trem seguia
rápido rumo ao Centro, devorando cenários de uma periferia sem sonhos, casebres
de zinco, muros sujos, terrenos baldios e córregos esquecidos – mau cheiro.
Adoraria poder ir ao cinema com ele naquele dia.
quinta-feira, 7 de março de 2013
Amanhecer (Bríggida Lourenço, 18/06/12)*
Pela Janela (15/06/12) |
Poderia falar aqui de meus problemas, sobre meu dia,
minhas noites sem sono
pensando em você, na chuva que não para de bater em
minha janela...
Mas não posso, não posso citar teu nome,
Você não gostaria. Você teme muitos sons.
Você teme que outras pessoas ouçam seu nome... Saindo
de minha boca.
Algo mais intimista... E a chuva insistente.
Não quero falar... Quero sossego.
Não direi, talvez nunca o diga, nem no vem e nem no
vai.
Agora me lasquei. Já é tarde para tudo isso. Sinto
falta do cheiro do café.
Fios de cabelos caem, é preciso dormir, isso me
incomoda... O cheiro da chuva e não do café.
Se eu fosse eu, amanheceria outra.
Sussurrei que sim, agoniada... Vou dormir.
Falta o som, da chuva, da música, do riso... Falta
sono.
Falta sorte? Ou falta amor?
* Fonte: AQUI
Nota: Bríggida Lourenço, professora da Universidade Estadual da Paraíba, escreveu esse texto na noite do dia 18/06/12. Foi assassinada pelo ex-companheiro em sua própria casa na manhã do dia 19/06/12.
segunda-feira, 4 de março de 2013
Em um abraço
Josef Kunstmann |
Pensou mais uma vez em dizer-lhe tudo no momento em
que se abraçavam apertado. Mais um daqueles encontros imprevistos.
Novamente,
todos os segundos nos quais seus braços apertavam firmes um ao outro, remetiam
aos tantos anos de cumplicidade, risadas, dores e, por fim, distância. Pouco
tempo para sentir seu coração pulsando por cada ano que estiveram juntos, as
batidas aceleradas pelos segundos ali, de volta ao peito um do outro.
Casa pode
ser o sinônimo de lugar onde se pode sonhar, mesmo que o sonho tenha passado, compartilhá-lo é um abrigo. Estacionamento lotado do shopping. Seguiram
então, sorrisos no rostos, cada um para seu carro.
Tinham que partir. Quando se veriam novamente?
A única resposta para eles é que amanhã seria outra segunda feira.
sexta-feira, 1 de março de 2013
Woody Allen Pode Esperar
Acordou de ressaca em pleno meio da semana. Caminhou
cambaleante até o banheiro e fixou-se em sua própria imagem no espelho, com
pouco gosto, diga-se de passagem. Alguns urgentes goles d’água da torneira e o
esforço seguinte de apertar a pasta na escova de dente. Pensou em quanto deveria
estar péssimo, pois, por dentro, sentia-se a própria soma de todas as promessas
de melhoras de si mesmo quebradas – pra toda a eternidade.
Manhã alta já. Artista em crise criativa de si mesmo
tentava elaborar com muito esforço um roteiro mínimo dos eventos ocorridos na
noite, madrugada, começo de manhã passados. As pistas do que havia ocorrido estavam espalhadas em sua
cabeça assim como pelos lados no quarto, via agora, sandálias, uma meia calça,
calcinha – tipo shortinho, por sinal, um indicativo de originalidade em meio
a um mundo de fios dentais sem identidade -, e, finalmente, ela, sobre a cama!
A desorientação cedeu instantaneamente a uma
recuperação de flashes e recortes de falas, movimentos, gestos e... sons. A
novata do setor jurídico! Dormia ainda da forma que bem lhe cabia, esparramada
feito uma gata mesmo que era, a cama mal lhe cabia. Parecia muito bem, dormia
como se estivesse em casa.
“Nossa, aquelas caipiroskas e o papo sobre Woody Allen ontem à noite...”. “Ela não gosta de Wood Allen!!! Não pode estar certo”.
Nesse momento, ela começou a se mexer e fazer menção
de acordar. Ele voltou correndo para a junto da gata manhosa estirada na cama.
Woody Allen fica pra hora do café mais tarde.
Bem mais tarde.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Anotações Para Um Amor Que Se Retirou
Tinha escrito algo sobre ela num caderninho de notas já
gasto, desses de arame, que se compra em armarinhos. Era apenas mais uma
observação: como a amava depois de todos esses anos juntos.
Feita despretensiosamente enquanto ela se
arrumava antes de vir deitar-se.
As frases no caderno
não traziam nada de especial, nada que pudesse virar poema, prosa, filme.
Apenas escrevia quatro ou cinco linhas sobre como era bom estar com ela, todos
os dias, ao longo de tantos anos. Na última frase, lembra ainda quando se viram pela
primeira vez, ela sentada, leve, linda e morena, alheia a tudo num banco do
pátio da faculdade.
Ela pediu-lhe para
ler o caderno, ele disse que não, apenas no dia seguinte, era surpresa. E fechou-o. Ela veio
até a cama, deitou-se, deu-lhe um beijo suave na boca e tratou de aninhar-se em
seu peito, como sempre gostara de fazer e abrigar-se do friozinho da chuva que começara a cair forte lá fora. Dormiu instantaneamente. Na manhã
seguinte comemorariam bodas de ouro. Não haveria festa, não tiveram
filhos, mas sairiam para almoçar fora, pasta, como ela mais gostava.
Amanheceu, a chuva parara, dia perfeito. Ele
levantou-se cedo e, aproveitando-se que ela ainda dormia, preparou e trouxe-lhe
o café na cama. Deu-lhe um beijo leve na testa. Não houve resposta. Ela
deixara-o em algum momento da noite, assim, serenamente, como gostava de levar
a vida.
Enquanto as
primeiras lágrimas corriam lentamente pelos seus olhos, pegou o caderninho sobre o criado mudo e
leu para ela as últimas linhas de suas anotações sobre o seu amor, como era
amá-la depois de todos esses anos...
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Ainda a Praia
Então, depois de muito tempo, do nada e a queima roupa, ela perguntou, como se previsse um próximo conto, "por que você não me
levou naquela praia?". Ele respondeu em silêncio, pra si, "talvez a
praia ainda não estivesse pronta pra eles".
Mentira, sabia, a praia sempre
estivera. Permaneceram em silêncio.
Voltaram a falar dos casais que passavam de
mãos dadas pelo calçadão naquele fim de tarde de verão.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
E Outro Fim de Festa
Frevo (Portinari, 1956) |
Era fevereiro, bebê.
Minha mão na sua mão pelas
ladeiras, nós dois perdidos no calor que não se sabia mais vir de dentro, ou de
fora, daquele Sol que cozinhava nossas moleiras. Derretidos em suor, quando seu
perfume compunha com o frevo o refrão de que você me queria.
Nem precisava mais
fitar seus olhos, pois já me haviam sequestrado, depois de devidamente dissolvido
pelos seus raios negros. Bem na hora,
hora exata que você me olhou daquele jeito e me beijou.
O frevo entrou em
nossas vidas pra sempre. E continuou tocando em minha cabeça, mesmo depois que lhe perdi de vista, na dobra de uma
esquina qualquer, sei lá porque desses motivos que não importam, pouco antes do
bloco parar de tocar.
Era fim de mais um carnaval. Sentei-me na praça com uma última cerveja e me vi de repente com um sorriso bobo. Havia uma graça em ver as
pessoas indo embora no carnaval. Nunca se sabe o que virá. Talvez você um dia leia
isso, talvez um dia nos encontremos em outro carnaval. “Saudade”, lembrei-me,
tava na letra daquele último frevo que ouvimos antes de você partir.
domingo, 3 de fevereiro de 2013
Fevereiro, Novamente
Fevereiro novamente. Janela aberta, dava para
ouvir o ensaio da bateria do bloco de maracatu que passava – O carnaval já estava
à porta. Um ano atrás, esse mesmo calor, cheiro dos benjamins na calçada, uma
noite parecida e eles foram à rua na hora que o bloco passou. Assim, pararam de
fazer o tudo que os distanciavam de sorrir e se deixaram. Sorriram e dançaram, não
havia mais nada para se importar.
Cada rua séria ganhou um tom de alegria
a cada volta que davam por um novo quarteirão. Hoje, essa euforia não apareceu.
Não entendeu bem em que momento perderam-se nos rodopios de uma dessas cirandas
da vida, ou em alguma esquina dos sentimentos que mudam o compasso. O bloco
passava novamente, mas ela não estava lá, eles não estariam nunca mais.
O
carnaval era alegria, pois superação intensa de todas as tristezas, assim, como
o branco é soma de todas as cores. Saiu de casa e seguiu o bloco outra vez. Nesse
instante que sua vida era o branco impessoal dos dias pra levar, nada lhe caia
melhor do que perder-se em todos os enredos imaginários que o samba operava em
sua cabeça.
Estava triste.
Estava pronto para o carnaval.
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
Entre Postais e Perfumes de Viagem
O último envelope que ela lhe enviou
trazia um perfume estranho, diferente de tudo que já tinha experimentado até
então. Sim, mesmo quando não era sua intenção o papel sempre carregava algo
dela consigo: uma amostra de ar, de pele, de espaço infinito, daquele abismo
que olhava sem cansar, feito menino besta frente à porta do cinema na estreia da
continuação daquela trilogia.
Lembra que olhou com ansiedade e
lentamente o envelope azul, tudo certo: letra, selo, carimbo... Internacional. Havia
muito tempo que o silêncio tornara-se o único rastro de elo entre eles, o
caminho labirinto onde ninguém mais conseguia se vir, por mais que se gritasse,
por mais próximo que lá estivesse. Pausa. Veio-lhe a cabeça instantaneamente, uma
sensação de estar num labirinto, parecendo com o sentimento de perda e a agonia
da ausência, sem rumo somado à certeza absurda de que há algo por detrás dos
muros de blocos escuros.
Voltou à carta. Abriu devagar o
envelope. Dele se mostrou a mesma destrutiva caligrafia, bela como um cadafalso,
dizendo aquelas coisas que ninguém mais precisa ouvir depois do tempo que tudo
separa e tudo acalma. Preferira nunca ter aberto aquele postal com a imagem de singelos
pubs sob a neve. Nevou em seu coração, mais uma vez.
Quase ouviu sua voz dizendo qualquer
coisa doce em seu ouvido em meio a uma caneca e outra de cerveja escura e às
densas colunas de fumo que descreviam voltas sinuosas até o teto. O texto dizia
que estava em algum país distante, e perguntava como ele estava. Nessa hora,
apenas o frio ficou.
Depois de uns dias entendeu o perfume que
trazia o envelope. Chamava-se, distância, tempo, indiferença. O avesso de tudo
que experimentaram. Ela, em algum lugar frio lhe mandando postais azuis sobre o
nada que havia entre eles. Ele, criando um lar no qual seu coração descansa
para o próximo momento quando não mais houver paz em sua vida.
Não lembra se guardou o postal.
Em seguida, preparou um café, abriu seu e-mail, havia uma
bela mensagem de alguém muito querido tambem comentando sobre uma viagem recente para
um país próximo. O e-mail não trazia perfume nenhum, mas quase sentiu todos os
aromas de tudo que ela lhe contava ter visto por lá.
Sorriu pra si.
Nessa noite, sonhou que o porvir tinha
cor amarela e cheiro de café. Caia muito bem com as notas amadeiradas daquela morena.
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